Friday, October 19, 2007

Um panaca doando sangue

Já passavam das três quando acordei e, na falta de algo melhor para fazer, um estonteante sentimento humanitário me invadiu. Tinha certeza de que não era vestígio da tonteira provocada pelos golezinhos de pinga tomados no jantar. Sentia a real necessidade de fazer alguma coisa boa, para ajudar as pessoas e sem perda de tempo comecei enumerar as melhores opções: me alistar como voluntário da Cruz Vermelha para atuar na África; missionário no Paquistão, agente de saúde familiar no Iraque, pregador nas penitenciárias do Rio, Doutor Alegria na Santa Casa. Como tudo me pareceu tão difícil e inacessível, diminui o grau de altruísmo: autorizar a cobrança de R$ 5,00 por mês na minha conta telefônica, para a AACD; deixar uns trocados na caixinha da igreja; dar um prato de comida e uma cerveja para aquele mendigo da praça da Bandeira. Precisava me sentir burguês, um bom burguês com a consciência tranqüila. As opções não despertavam um grau de desprendimento intenso o suficiente para aplacar aquele sentimento de entrega existencial. Um mosquito agarrado no meu braço forneceu a inspiração necessária: doar sangue. Nada poderia ser mais altruísta. Entregar o próprio sangue para pessoas desconhecidas, deixar exposto em um saquinho os mais íntimos fluídos corporais, era tudo o que eu precisava.
Achei que era só chegar no banco de sangue, deixar minha contribuição e ir embora, mas tinha um maldito questionário que mais parecia uma mistura da minha mãe quando eu era adolescente com a minha segunda esposa: bebeu? Fumou? Transou com putas ou com veados? Foi ao dentista? Teve quantos parceiros(as) sexuais nos últimos tempos? E maconha ou outros tróços. Venha aqui menino, deixa ver se não andou fazendo uma merda de tatuagem! Não conseguia me concentrar no questionário, só me lembrava da mamãe e daquela de lá. Andou bebendo de novo! Saiu com aquelas vagabundas. Venha cá menino, deixa eu cheirar a tua boca pra ver se não andou bebendo ou fumando nada por aí. Aquele teu amigo, acho que é bicha...
Fui obrigado a fazer o que eu sempre fazia e menti na maioria das respostas, afinal eu só tinha tomado uns goles e daquela vez a Vilma não me cobrou nada, então não era puta. Não poderia deixar passar a vontade de ajudar e não poderia perder a oportunidade. E era uma boa chance de conquistar uns pontos com o Cara lá de cima.
Mas não era só preencher o formulário. Espeta o dedo, mede pressão, termômetro, espera mais um pouco e responder tudo de novo, só que agora era cara a cara. Entrei em uma salinha e a responsável por refazer as perguntas me mandou sentar, sem desviar o olhar da minha ficha. Parecia boazuda e eu tentava distinguir suas formas sob o avental branco semitransparente. Ela se posicionou na sua escrivaninha e continuava olhando apenas para a ficha. Deveria estar me achando o maior panaca que não fode e não faz merda nenhuma, nada de interessante. Finalmente ela me enxerga e começa o questionário. Respondi a mesma porcariada de antes, me senti verdadeiramente o maior panaca que quase não fode e não faz nada de interessante e, como quase nunca consegue convencer uma boa mulher a dar uma trepada, é obrigado a pagar uns trocados por meia hora de sexo e como quase nunca tem esses trocados, quase nunca fode e nem faz nada de interessante. Acho que sou mesmo o maior panaca. Quase perdi o tesão em ajudar os outros.
Esperei mais um pouco até que me aprovaram. Na sala da coleta havia várias cadeiras de dentista, ou iguais às de dentista. Uma enfermeira, não tão boazuda quanto a outra, me mostrou como lavar o braço. Sentei na cadeira de dentista e ela sentou no meu lado, bem perto. Meu braço estava esticado e apoiado em um suporte, calculei que se o esticasse um pouco mais e abrisse a mão, poderia tocar uma de suas tetas. Ela me espetou e adorei quando me mandou abrir e fechar a mão. Estiquei bem os dedos e realmente pude tocar em sua teta. Já estava meio amolecida, mas ainda era uma teta. Ela me olhou com uma expressão maliciosa de cumplicidade. Desviei o olhar e encolhi o braço. Como foram longos aqueles 20 minutos.
Nem doando sangue deixei de ser panaca.