Ao que pus-me a tecer, teias e mais teias, confiante de poder cobrir, em princípio, esta tão miserável árvore que insiste em afirmar ser toda a minha vida, ser meu nascedouro e meu túmulo, onde perpetuarei a minha espécie e de onde tirarei meu sustento. Árvore insignificante, serás a primeira que tomarei por inteira e nada que estiver dentro sairá sem que eu saiba, assim como nada de fora se fará interno sem minha anuência. Tomada com meu manto, a miserável árvore, mais secume menos seiva, mais marrom menos verde, monocromática, será a primeira. Virá o bosque, depois a colina, o vale e, ainda que avançado na idade, o mundo. Uma imensa e translúcida teia que permitiria entrever nos aléns, sem, no entanto, deixar escapar completamente minhas conquistas. Minha urdição e legado.
O que poderia dar errado? Teço como poucos da minha espécie e tenho disciplina, meu esforço é do tamanho das minhas ambições, não perco tempo com futilidades e brincadeiras, apenas trabalho e trabalho e se sinto que tenho de deixar descendência para melhor perpetuar meu domínio, acasalo para que o sangue do meu sangue reine sobre minha obra.
Estava tudo planejado, tudo calculado, tudo previsto, as conseqüências, até deparar-me com o primeiro revés: um galho se partiu com o vento e a extremidade leste da teia balançou no ar. Pela primeira vez percebi a necessidade de rever parte dos planos. Recomeço e tomo a devida precaução contra galhos, aumentando a espessura do fio; isto me atrasou e meu projeto sofreu o primeiro abalo. Novas metas precisaram ser estabelecidas, talvez cobrir apenas o vale, e a frustração quase fez-me desistir.
Um segundo abalo: granizos perfuraram a ala norte e as ramagens superiores ficaram expostas. O trabalho estava quase todo arruinado e eu exausto. Ainda tentei, nova calibragem na espessura do fio, novo ritmo de trabalho, aumento da carga horária e consegui apenas um colapso. E apareceram pássaros, morcegos, outros tipos de ventos, esquilos e minhas teias simplesmente foram se transformando em fiapos aleatórios. Sem forças e desmoralizado desisti. Mas o que sei de teia? O que sei de tecituras? Quem me outorgou o poder de envolver meus amigos (tenho-os?), parentes, amores, em um manto? Não seria uma máscara? Tantas interrogações; passo a me imaginar um analfabeto diante de uma carta. Faço muitas perguntas e nem imagino onde posso obter as respostas. Nada sei que não seja tecer, mas este meu saber não é suficiente para cobrir seque minha casa e por algum tempo pensei que pudesse tudo envolver.
Faço minha última tecitura, meu último manto para envolver apenas eu e meus fracassos.
LM