Sunday, July 29, 2012

memorial

na última noite do ano

reuni em festa, umas partes de mim

que estavam guardadas

um pedacinho ali, outro na gaveta,

adiante do por-do-sol,

em casas com roupa no varal e um,

de bom tamanho, pertinho da Lua

e cantei

e dancei

e vivi

dediquei tudo à Lua e adormeci

sonhei que cantava, dançava e vivia, com a Lua

cheia de si, iluminando a festa


 

LM

Sunday, July 22, 2012

Estudo nº 18 para redondilhas e superfícies

era para ser verdade

era para ter pureza

era para sempre


 

não teve o vento a levá-lo

nem marcas de tinta fresca

foi apenas fim


 

se acumularam desculpas

sobre os cheques devolvidos

faltou o som das lágrimas


 

perceberam tarde demais

que tudo era só teatro

falas decoradas


 

LM

O soldadinho de plástico e a bailarina de porcelana: Uma história baseada em fatos reais

Dois engradados de plástico cheios de bonecas, bichinhos de pelúcia, carrinhos, pequenos potes, instrumentos musicais rudimentares e tantas outras quinquilharias são os brinquedos perfeitos da menina que mora na casa verde. Uns emitem sons engraçados, outros, os sons são a menina quem os faz emitirem, há ainda os fofinhos, os engraçados por serem esquisitos e os esquisitos mesmo. Todos preenchem solitárias tardes da menina com alegria, faz de conta e muita magia. É neste cenário lúdico que nossa história se passa, é a história de amor entre o soldadinho de plástico e a bailarina de porcelana.

Ele era, como já ficou claro, um soldadinho de plástico e ela, sem nenhuma dúvida, uma bailarina de porcelana. Ele, um dos tantos brinquedos das caixas, ela um enfeite sobre a cômoda do quarto. A separá-los a imensidão da imobilidade dos brinquedos de plástico e dos bibelôs de porcelana, além da altura praticamente intransponível entre o chão do quarto e o alto da cômoda. Ela, apenas enfeite, dificilmente era requisitada para as brincadeiras, ficava nas suas alturas, observando os contos de fadas e as aventuras de princesas que a menina tramava com os brinquedos das caixas. Chamou-lhe a atenção aquele soldadinho preto, de plástico, querendo fazer pose de valentão, mas com uns olhos tão tristes o que o deixava bem bonitinho.

Às vezes a caixa de desenhos era colocada entre bichinhos de pelúcia e bonecas e a menina espalhava lápis e canetinhas a procura da cor ideal para os mais malucos desenhos. Já o soldadinho, esperava ansioso ser pego pela menina e mais ansioso ainda ficava, esperando ser jogado no chão de forma a poder ficar fitando a bailarina no alto do seu palco. Quando isto acontecia, não perdia a oportunidade de mirar cada detalhe da bailarina, seus olhos negros, sua pele branca, roupas brilhantes e, especialmente, um colarzinho com uma meia lua pendurado no alvo pescocinho. Os dois nunca conversaram, não sabiam um o nome do outro, mas o soldadinho, inspirado pelo colar com a meia lua, em suas fantasias chamava a bailarina de Luana.

Quando a menina recebia a visita de outras crianças, não havia brinquedo que não ficasse espalhado pelo quarto e num desses dias, após as crianças cessarem as brincadeiras, o soldadinho, estendido no chão, ouviu um ruído. Não havia mais crianças ali, apenas os brinquedos. Perguntou quem era.

— Sou eu, o lápis.

— Um lápis? E lápis falam?

— Sim! Não só falo como escrevo lindas histórias com maravilhosas ilustrações.

— E não é nem um pouco modesto. É você mesmo que escreve as histórias?

O soldadinho estava muito surpreso e confuso com a aparição daquela figura magrela e falante. Não que ele nunca tivesse visto um lápis, mas aquele era bem diferente e o lápis continuou.

— Modesto? Apenas falo a real. E vou contar como faço as histórias, é assim: as histórias são feitas com palavras. Não é mesmo? E às vezes, para dar um efeito estético bacana, existem ilustrações nestas histórias. Pois bem, eu sou um fazedor de histórias.

— Acho que estou entendendo. E se você faz as histórias, pode escolher também os personagens?

— Claro!

O lápis que não era bobo nem nada e já havia percebido os olhares compridos do soldadinho em direção à bailarina, percebeu logo onde o bonequinho queria chegar. Então o soldadinho perguntou:

— Será que eu poderia participar de alguma aventura?

— É pra já.

Sem perder tempo o lápis começou a rabiscar no ar seus caracteres mágicos escrevendo e ilustrando uma história de amor. Enquanto dava forma às palavras da história, o lápis desenhou uma escada que ia do chão do quarto até o alto da cômoda onde estava a bailarina. Ao redor dela dispôs flores, árvores, coloridas borboletas e notas musicais. Ao perceber as notas musicais voando com as borboletas, a bailarina começou a dançar enquanto o soldadinho, lá no chão, ficava em pé. Rodopiante e cantarolando uma linda canção, a bailarina desceu as escadas e foi até o soldadinho.

— Oi.

Disse a bailarina enchendo sua pequena fala com um toque musical.

— O oi.

Gaguejou o soldadinho.

— Meu nome é Luana.

— Eu já sabia, sempre soube que não poderia haver outro nome para alguém tão linda quanto a própria Lua.

O soldadinho, se não fosse inteiro preto, teria corado, não sabia como tinha dito palavras tão atrevidas, logo ele, tão tímido e calado. O lápis observava a cena e ria enquanto continuava a escrever sua história. A bailarina pediu para o soldadinho falar alguma coisa sobre ele e, ainda sem entender muito bem como, começou a contar emocionantes aventuras que ele tinha participado. Eram aventuras em florestas distantes, com salvamento de animais das armadilhas de caçadores malvados; histórias de castelos e princesas, fadas e monstros. A bailarina sorria e ouvia as lindas narrativas com muita atenção. Ele continuava sem entender direito o que acontecia, pois desde que saiu da prateleira da loja de brinquedos, nunca saiu daquele quarto e a coisa mais emocionante que tinha lembrança era ficar contemplando a bailarina. Então ele percebeu que não eram suas aquelas histórias, mas do lápis que escrevia e ilustrava as aventuras. O soldadinho voltou a ficar tímido e se entristeceu, pois tinha visto como brilhavam os olhos negros da bailarina enquanto escutava suas narrativas. Sentiu-se como estivesse mentindo para ela, pois não eram aventuras suas.

Sempre atento, o lápis notou a mudança de atitude do soldadinho, que voltou a ficar imóvel como um pedaço de plástico rijo e foi em seu socorro.

— O que foi amiguinho?

— É que eu fiquei tão empolgado com as histórias que nem percebi que eram apenas invenções suas, que nunca vivi estas aventuras.

— Engano seu meu caro soldadinho, eu faço apenas rabiscos, são vocês que fazem as histórias. Vejo seus rostinhos alegres, seus olhinhos cintilantes e ali enxergo as mais espetaculares aventuras que se possa imaginar. As histórias são suas e tem muitas maneiras de viver uma aventura, uma delas é entrando nelas através das histórias.

A bailarina, por natureza mais sonhadora, entendeu logo o que o lápis estava tentando explicar ao soldadinho, de alguma forma ela já sabia que as histórias estavam todas em seus corações e falou:

— Então não vamos perder mais tempo, vamos contar uma linda história com muita magia, danças, aventuras e romance.

O soldadinho se reanimou e eles continuaram a brincar, dançar ao som das melodias desenhadas pelo lápis e a viver as mais espetaculares aventuras.


 

LM

Sunday, July 08, 2012

Três coisas que eu gostaria de saber fazer

    Até aqueles caras que tocam duas ou três notas e no mais, dão apenas batidas nas cordas do violão já me humilham ante minha total inaptidão para a música. Não tenho voz para cantor e não me arrisco nem em karaokês domésticos, isto ainda passa, mas não saber tocar algum instrumento musical me oprime profundamente, poderia ser qualquer um, flauta doce, chocalho, pandeiro, muito embora meu verdadeiro fascínio seja pelo violão. Pode ser que existam outros instrumentos mais nobres, ou mais difíceis para aprender, mais sofisticados talvez, mas é tirando notas na simplicidade da viola, na sua comovente sinceridade que me vejo quando sonho estar tocando algum instrumento.

    Quando jovem almejava tal habilidade para impressionar as meninas nas festas de escola, ou nos entardeceres na praia. Não preciso dizer que faltavam-me muitos atributos para impressionar as garotas, não era forte, bonito, inteligente, ou rico; não sabia surfar, nem tinha alguma habilidade que me fizesse ser notado, então sonhava com algo que não poderia ser tão difícil assim de conseguir: um violãozinho ordinário não era coisa cara e aprender a dedilhá-lo não deveria ser coisa inatingível. Estava enganado. Até arranjei um violão de segunda mão, de marca conhecida, mas daí a tirar alguma música dele foi um abismo intransponível. Tentei em outras oportunidades, com iguais fracassos. Agora, com os dedos fracos e menos ágeis, enterro definitivamente este sonho.     

Sei fritar ovo, fazer arroz soltinho, macarrão al dente e, se a carne for de bom corte, assar um churrasco razoável. Temperar salada não conta, então eis todo meu repertório culinário. Em adolescente li um livro onde o personagem principal dominava as mais variadas técnicas de cozinha e era capaz de fazer um verdadeiro banquete com dois pães velhos, alguns temperos, um pouco de azeite, algum fruto do mar ou qualquer sobra de corte de carne. Além de cozinhar magistralmente, o personagem era um grande sedutor e maior ainda aventureiro. Em minha mente semi-infantil condicionei uma coisa à outra: um bom cozinheiro seria sempre um grande amante e viveria sempre em grande estilo. Deveriam proibir as crianças dotadas de parcos recursos intelectuais de lerem livros deste tipo. Logo saí eu, tal qual um dom Quixote – ele envenenado pelos livros de cavalaria, eu por heróis cozinheiros – a queimar cozidos, estragar peixes, esturricar carnes, e achando que estava abafando, principalmente quando fazia toda aquela gororoba intragável ser acompanhada por aqueles ordinários vinhos da garrafa azul. Ao menos o manchego teve seu escudeiro, quanto a mim, tive de lavar os pratos e jogar as sobras (e sempre sobrava quase tudo) só.

    Haveria ainda outras tantas coisas a acrescentar a esta lista de insucessos, como pescar, cultivar um canteiro de cebolinhas e salsinhas, cavalgar, fazer e empinar pipas, mas seria uma lista muito enfadonha e correria o risco de ser taxado como um cara chato que não sabe fazer nada. Há ainda uma frustração mais singela, talvez até me digam, mais sem sentido, pois poucos são os que conseguem algum sucesso com tal habilidade e, em alguns casos de êxito, nem há tal necessidade. Evitarei alongar-me ao falar desta minha inaptidão, para poupar meus poucos leitores, que talvez já tenham até descoberto a que me refiro. Gostaria de saber escrever.


 

LM