Sunday, December 30, 2012

2013

            O mundo não acabou, nem este raquítico blog, ainda que um certo senhor Charles Trezinni tenha tentado (ver post de 05/09/2012), mas fez-se justiça e meus milhares de seguidores poderão dormir tranquilos.
            Agradeço às manifestações de solidariedade e à pujante audiência registrada e aos meus seguidores e também aos meus detratores, 2013 neles.

LM  

Parte V (Última)

                            Eu queria algo que pudesse perder. Eu a tinha, mas ela não era minha, e eu queria poder perdê-la e para isto acontecer ela deveria ser minha. Essa foi a ideia mais estúpida que já tive em toda minha vida. Não foi exatamente uma ideia, acho mesmo que a coisa foi acontecendo e só agora, depois de alguns anos, consigo enxergar  como de fato aconteceu. Eu era um idiota maior ainda do que sou agora.
                            Cheio dos sentimentos confusos, resolvi conversar ao invés de simplesmente calar a boca e trepar.
— Às vezes eu acho que você me usa, como se eu fosse só um pinto.
— E não é? Eu já tenho marido e to bem feliz com ele, claro que tu é só um pinto.
— Isso não te parece meio frio?
— Quer uma namoradinha? Acho que escolheu a garota errada.
— Não, não quero ninguém me enchendo o saco, só acho que a gente deveria conversar um pouco de vez em quando.
— Tudo bem. Fala!
— Como assim?
— Tu não quer conversar? To te ouvindo.
— Você é meio fria.
— Sou prática. Se eu quiser conversar, saio com uma amiga, ou fico em casa, sei lá. Cala essa boca e me beija!
                            Nunca consegui me impor para uma mulher (por isto resolvi viver sozinho) e a obedeci. Beijei-a, mas naquela noite não a xinguei, nem a apertei, apenas desempenhei mecanicamente meu papel. Ela era tudo que um homem sonha em uma mulher: bonita, sensual, boa de cama, não me enchia o saco, queria apenas transar e eu poderia sair com outras garotas. Apesar de ter elaborado algumas teorias, ainda não descobri direito porque aquela situação me incomodava. Uma das hipóteses que me vem à cabeça era eu me sentir amedrontado por ela estar no comando. Era estranho, nunca falamos do marido dela, dos filhos, era como se ela simplesmente não desse a mínima para eles. Nunca tive família e talvez isto tenha me afetado, sei lá.
                            Depois daquele dia não saímos mais. Quando ela ia ao almoxarifado, se comportava como se tudo estivesse perfeitamente normal, pedia a peça ou ferramenta e antes de ir embora falava como estava meio complicado pra sair e assim que arranjasse um tempo ia me avisar, pra gente se encontrar. Depois de uns dois ou três meses nessa conversa mole, eu já não tava nem aí para o serviço e fui mandado embora. Entreguei umas brocas de tamanho diferente e toda uma linha de blocos de motor virou sucata.
                            Após de ter saído da fábrica nunca mais ouvi falar da Cleide, nem a procurei, fui cuidar da minha vida. Virei barman, motorista, porteiro de zona, ajudante de pedreiro, mendigo, obreiro de uma igreja evangélica, frentista e acabei me aposentando depois de levar um tiro no braço durante um assalto. O tiro limitou os movimentos da minha mão esquerda e como estava em horário de expediente, o advogado da empresa deu um jeito de me aposentar por invalidez. Agora sou um inválido oficial, vivo a custa do Estado e como o salário não dá pra muita coisa, divido um pequeno apartamento de dois quartos com o Nicolau. Ele ficou viúvo e não quis ir morar com nenhum dos filhos, ou eles não o quiseram. Maldita velhice.
                            Tudo isto parece ter acontecido há séculos e cada vez que conto esta história, esqueço partes importantes, invento outras, aumento ou diminuo a importância dos acontecimentos, tanto que já nem lembro direito o que é lembrança ou delírio. Chego mesmo a duvidar da existência da Cleide e quando pergunto para o Nicolau se ele lembra de algo, apenas faz um meneio com a cabeça e resmunga algo, sem dizer nada. Devo estar vendo muita novela, se não morrer de tédio até final do ano, vou ver se arranjo um jeito de acelerar a natureza.
 

LM     

Saturday, December 15, 2012

Parte IV

                            Foi meio estranho, eu já estava achando que ela só fazia aquele tipo fatal pra me provocar, como provocaria qualquer otário, até travarmos um daqueles diálogos improváveis no almoxarifado, ela tinha ido buscar algumas brocas.
— O que vai ser hoje gatona?
— Pro serviço... brocas.
— E pra fora do serviço?
— Não sei ainda.
— O que um cara tem que fazer pra sair como uma gata como você?
— Depende. Se for um cara legal, bom amigo, bom pai de família, daí não tem chance, assim já tenho um em casa. Se for um cara querendo se divertir e se for um cara que saiba como tratar uma mulher, é só convidar.
— Que tal hoje, depois do serviço?
— Não dá, o Renato vem me pegar todos os dias.
— Aham! Então quando?
— Saio para caminhar todas as noites, lá pelas oito. Tenho até às dez.
                            Marcamos o encontro e o mais estranho é que foi preciso falar muita coisa, fazer galanteios, esse tipo de frescura, ela sabia exatamente o que queria. Fomos a um motelzinho barato, pedi uma cerveja, falamos algumas coisas superficiais e de repente nos agarramos e nos beijamos feito loucos. Arrancamos nossas roupas, não tínhamos tempo a perder com conversas, nossos minutos estavam cronometrados. Foi uma transa muito louca, ela me xingava, me chamava de tarado filho da puta, me baita, cuspia na minha cara dizendo que eu não passava de um maldito vagabundo, e cada xingamento pedia para eu meter mais forte, com raiva, afinal ela era uma menina má que precisava ser castigada, então me pedia para eu botar força e enfiar com raiva.
                            Ficamos uma hora e meia neste frenesi, ela me xingando de filho de uma cadela sarnenta, eu a chamando de vadia sem vergonha, minha putinha porca e nos abraçávamos, nos enroscávamos como se fossemos duas cobras entrelaçadas. Não dava pra saber onde começava um e onde terminava o outro. Ao final eu estava exausto, parecia que tinha brigado por umas duas horas e apanhado uma bela surra. Por um instante ela estava luminosa, mas logo voltou a assumir aquela pose de pantera caçando, esquiva, insinuante, fugidia. Saímos, não falamos quase nada, nos despedimos sem nos beijar. Antes de ir pra minha casa a chamei e perguntei.
— Quando nos encontramos de novo?
— Você até que se comportou bem, tenha paciência, eu te aviso.
                            Os dias seguintes foram um suplício. Eu andava obcecado, só pensava naquela transa, parecia até um garoto depois da primeira fóda. Era só ela aparecer no almoxarifado que eu tinha que ir pra trás das prateleiras tocar uma bronha. Já nem prestava atenção direito no trabalho, entregava material trocado, não dava baixa direito nas saídas e não registrava as entradas. Até que o Lourival me chamou.
— Vai tomar no cu. Você tá querendo sair. É só falar, não fica de sacanagem que eu te ferro, seu merda.
— Não é isso, cara, é que ando com uns problemas, não posso sair agora, eu vou dar um jeito de melhorar.
— Se eu te chamar aqui mais uma vez vai ser pra dar um chute na tua bunda.
— Deixa comigo, não vou dar mole. Quando eu quiser sair te aviso antes.
                            Foram quatro longas semanas, tive de me concentrar, para de me masturbar no serviço e fazer meu servicinho mal feito, até que ela deu o sunal.
— Hoje à noite, no mesmo lugar e hora. Vai quente homem solitário.
                            A segunda transa foi ainda mais louca do que a primeira. Ela parecia estar possuída. Ficava o tempo todo me xingando e provocando “O que você quer aqui seu bosta? Quer me comer? Então fóde feito homem.”, me chamando de filho de uma égua. Não dava tempo para eu descansar, depois de ter gozado a primeira vez, fui tomar uma cerveja, nem pude terminar de beber e ela veio atrás, me abraçou e agarrou minhas bolas, e enquanto se abaixava pra fazer um boquete ia me xingando mais “Seu bundão de merda, se quiser descansar fica em casa se embebedando sozinho, bota essa coisa mole pra funcionar antes que eu arranque tuas bolas.”. E enquanto me sugava até a alma, arranhava minha bunda, minhas pernas, me batia, era mesmo uma pervertida gostosa.
                            Entramos em um acordo tácito. Não falávamos quase nada, quando ela queria sair, dava uma passada no almoxarifado e dizia o horário. No motel de sempre também mal conversávamos, fora os xingamentos mútuos durante a transa, trocávamos no máximo meia dúzia de palavras. Era para ser perfeito, mas eu comecei a querer mais, já tinha o corpo, o prazer carnal, tudo o que poderia me importar, mesmo assim comecei a ficar incomodado. O que eu poderia querer a mais? Não tinha compromisso, podia sair com os amigos, arranjar outras garotas, não precisava dar satisfação alguma, ela não me cobrava nada, não exigia que eu percebesse quando tinha cortado o cabelo, ou quando tinha feito a sobrancelha, era só obtermos prazer sem culpa nem compromisso. O que mais eu poderia querer?

Continua...

LM

Saturday, December 08, 2012

Parte III


                Era para ter falado pouco, ando meio prolixo e repetitivo. Deve ser a idade, maldita velhice me fazendo esquecer as coisas, contar sempre as mesmas histórias (é que nada de novo acontece, as pessoas deveriam saber disto) e o que é pior, estou ficando açucaradamente sentimental. Outro dia chorei na frente da TV, estava passando um desenho com uns cavalinhos e uns caçadores e o herói e toda a mesma baboseira de sempre e eu, durão, cara de mau, poucos amigos, o cara que falava na lata sem ter medo das consequências, que encarou a turma dos Cavalazzi sozinho e que botou pra correr o Afonsinho Canivete ali, chorando pelos cavalinhos. Também Choro quando lembro da Cleide, talvez não seja só a velhice, a solidão deve estar me afetando. Vou comprar alguns bichos, gato, cachorro, tartaruga, sei lá.

                Afinal revelamos o amigo secreto. Fizemos um churrasco num dos quiosques da recreativa. Linguicinha banhenta, filé simples (duro pra caralho), pão e salada de tomate com cebola. Pra beber tinha cerveja, caipirinha de pinga, samba (igualzinho a festa dos gerentes e diretores). Foi uma mistura infernal. Sei o que tinha para comer porque vomitei pelo meu quarto e banheiro depois da festa e ali estava todo o cardápio, um pouco mais melecado.

                A hora da entrega dos presentes é sempre igual foi uma chatice sem tamanho. Um bando de gente sem graça tentando fazer piadas e dando pistas idiotas para falar quem tinham pego e fazendo outras babaquices. Devo ser muito chato mesmo. Chegou minha vez, chamei o Nicolau, sem fazer gracinha alguma e entreguei o presente, um par de Kichutes 43. Fui vaiado, não fiz as firulas esperadas. A Cleide pegou o Lourival, maldito sacana, ganhou uma garrafa de vinho, que ela entregou como quem diz: “Vem gatão, despeje este vinho ordinário no meu corpo e lambe tudinho, bem gostoso, seu safadinho.” Ali eu soube que iria pegar aquela potranca, também sabia que ela tava fazendo aquela cena pra mim.

                Apesar da frivolidade, a festa revelou-me muitas coisas. Mostrou como eram as garotas sem o brim engraxado e pude constatar que a Cleide era realmente uma tremenda gata, a melhor de todas. Tinha outras que também dava para passar na cara, tipo a Lurdinha, meio baixinha mais gostosinha (deu até uma rima infame); a Eliana, mesmo um pouco acima do peso e a Verônica, apesar de já estar meio velhusca, mas eu nunca fui de escolher minuciosamente mesmo. Apesar de todas aquelas garotas, no dia seguinte acordei com a mesma companheira de sempre: uma tremenda ressaca. Felizmente tinha o sábado e o domingo para me recuperar.

                O primeiro dia após as festas de confraternização é algo surreal, as pessoas estão de saco cheio por terem de aguentar seus empregos medíocres e mal remunerados, mesmo assim tentam fazer caras alegres, como se estivessem reverberando a felicidade mágica da festinha de final de ano da turma. No fundo estão todos querendo que os colegas se fodam e se pudessem pisar uns nos pescoços dos outros para ganhar uma promoção ou uns trocados a mais no salário, fariam sem pestanejar. Igualzinho ao dia seguinte dos gerentes e diretores, menos a parte do mal remunerado. Mas o primeiro dia depois daquela festa foi especial para mim, convidei a Cleide para sir e ela aceitou. Tinha só que arranjar um horário possível, afinal ela era casada e tinha dois filhos.

               

Continua...

 

LM

Sunday, December 02, 2012

Parte II


Dei uma pequena desviada, voltemos à Cleide. Ela era normal, outra operária, falava pouco e não se misturava muito. Quando vinha ao almoxarifado mal dizia algum cumprimento formal, fazia o pedido assinava a ficha sem olhar para mim. Nada nela chamava a atenção e se lembro de tantos detalhes foi porque um dia ela me falou algo estranho e a partir dali passei a prestar mais atenção nela.

                — Você não liga de ficar aí, sozinho, o dia inteiro?

                — É melhor assim. Não sou muito bom em conviver entre as pessoas.

                — É melhor assim... Tchau!

                Parece besteira, mas fiquei com aquilo na cabeça. O que ela queria dizer? Foi quando comecei a observá-la e foi quando percebi que ela andava com leveza, não como as outras meninas, que andavam como se estivessem sempre carregando um saco de cavaco. Ela não, se movia como uma pantera, em silêncio, movimentos contidos para ocupar o mínimo espaço e nas poucas vezes que era possível ver os negros olhos sob a aba do capacete, a gente encontrava um olhar que parecia estar te fulminando. Era uma grande gata caçando. Precisava ver o que havia por baixo de todo aquele brim.

                Faltavam poucos dias para o natal de 86, sempre tinha alguém organizando um encerramento, um amigo secreto e outras bobagens. Quem quisesse participar assinava ao lado do nome em uma lista fixada no quadro de avisos. Já estava indo para meu quarto natal e nunca participei de nada. Este ano mudei de ideia. A essa altura eu já estava com pensamento fixo em Cleide, embora ela continuasse apenas me fulminando com o olhar e falando duas ou três palavras cada vez que ia ao almoxarifado. E estava tão infantilmente vidrado que tinha certeza de que iria pegá-la no sorteio de amigo secreto. Já estava tudo planejado, cada palavra, o abraço na hora da entrega do presente, que tipo de lembrança comprar, tudo certo para depois daquele dia apenas marcar o encontro. Chegou o dia e peguei justamente o Nicolau.

                Naquela semana ela veio pegar umas brocas.   

— Pegou quem homem solitário?

— Pode falar antes da entrega dos presentes?

— O que você acha?

— Acho que não. Foda-se. Foi o Nicolau.

— Uau! O negão do esmeril.

— É. Não peguei quem eu queria.

— Não vai querer saber quem eu peguei?

— Não, mas quero saber o que vai dar.

— Essa que é a melhor parte.
            Ela cravou-me os olhos fulminantes e não disse mais nada, virou-se como uma gata saciada foi caminhando mexendo as ancas como se estivesse saindo do banho prestes a deixar cair a toalha e pular na cama para transar como louca. Pude ver tudo isso sob aquela roupa grossa e fiquei tão excitado que não teve jeito, tive que ir atrás das prateleiras de peças e tocar uma punheta com a mão suja de graxa. Quando tava quase terminando alguém me chama no balcão. Era o Nicolau, sempre ele.

Continua...

LM