Naqueles tempos
ainda se falava em dragões, embora de maneira incrédula, menos para Ezdreot,
ele acreditava na existência destes seres fabulosos e ansiava por poder travar
a derradeira batalha, em por fim na guerra entre homens e bestas. Ao modo do
manchego, mesmo sem saber da sua existência, Ezdreot armou-se à farta e partiu
para o que acreditava ser seu destino. Vagava por campos e desertos bradando a
maça, sibilando a espada, arremessando a lança: treinava corpo e mente enquanto
buscava seu oponente.
Os
cronistas relatam que sua busca durou sete anos e quatro meses, quando chegou
ao patamar do monte Andur. Ao avistar a eterna fumaça a escapar do cume da
montanha, o herói não teve dúvida, aquele gigante era o maior de todos os
dragões. Subiu o quanto pode as costa escarpada e sem demora tratou de desferir
os mais potentes golpes no dorso do terrível gigante adormecido.
O
monte Andur realmente estava adormecido, sua última erupção havia ocorrido há
duzentos anos e, com o passar dos anos, camponeses se fixaram nas suas
proximidades para aproveitarem a vitalidade do solo vulcânico no cultivo de
certas plantas. A cada nova colheita, mais confiantes ficavam e mais camponeses
se estabeleciam, até que a vila de Ogmynt já contava com centenas de moradores.
Mais ao norte, na parte ocidental do monte Andur, um revolto mar de águas
geladas sustinha a vila com pescados e algas.
A
rotina de Ogmynt foi abalada quando o primeiro campônio encontrou o herói a
desferir violentos golpes contra a montanha, enquanto praguejava e jogava
maldições contra seu oponente. Primeiro o susto, depois a curiosidade, por
último o riso. Logo o herói passou a ser alvo de visitas, era uma espécie de
recreação para o ogmyntenses organizarem pequenas excursões para assistirem à
batalha entre um maluco e um vulcão adormecido. Ao cabo de um tempo a novidade
tornou-se repetitiva e enfadonha e o interesse dos camponeses arrefeceu-se,
mesmo assim Ezdreot continuou sua luta. Passaram-se dias, semanas, meses, anos
e quando suas armas já não passavam de cotocos inúteis, ele improvisou lascas de
pedras, galhos e qualquer coisa que pudesse ferir o gigante. Alguns moradores
da vila se compadeceram de tamanha insanidade e levavam água restos de comida e
pão seco para o incansável herói e assim se passaram vinte e seis anos.
Os
anos da inútil batalha produziram um sulco ao longo da encosta do monte.
Olhando-se da vila Ogmynt era possível perceber um corte diagonal descendo pelo
costado da montanha até os rochedos próximos à rebentação do mar. Era admirável
como apenas um homem tivesse produzido aquele rasgo na paisagem do vulcão,
embora a admiração se desse mais por conta da loucura do guerreiro do que pela
grandiosidade do trabalho. Os anos também desgastaram nosso herói, que mal
consegui segurar suas armas, a visão falhava e suas pernas tremulavam ante o
peso do esquálido corpo. Quando deu o último golpe que seu braço poderia
aguentar, ele percebeu que não encontraria a glória, que não seria chamado de
herói, nem teria seus feitos cantado por bardos. Um lampejo de lucides o fez
ver que nada mais havia feito nos últimos trinta e três anos do que consumir-se
em um trabalho inútil. Então ele deitou no chão duro e teve vontade de chorar.
Um
dia, porém, a natureza iria destinar um capítulo especial à história daquelas
pessoas e o vulcão despertou. Aos estrondosos trovões sucederam milhares de
pedras incandescentes sendo arremessadas com tremenda violência. Uma negra
fumaça fez o sol desaparecer, contam os historiadores, por vários meses e o que
todos mais temiam aconteceu: um rio de lava precipitou montanha abaixo. O
destino de Ogmynt era infernal. Descendo o rio de lava a uma velocidade
assombrosa, não daria tempo para fuga e todos estavam condenados ao suplício do
fogo. Mas o improvável aconteceu: a lava encontrou o sulco produzido pelo
guerreiro solitário e desviou seu curso, indo direto para o mar. Fogo e água
travaram uma assustadora batalha, um virando rochedo, outro vapor e no meio
desta guerra de titãs, o herói desapareceu consumido pelas forças da natureza,
sem direito sequer a uma tumba.
Passada
a cólera do vulcão e intacta a vila, a não ser pelas cinzas, os habitantes de
Ogmynt sabiam que deveriam organizar festivais para honrar a memória de quem
salvou suas vidas e suas casas. Agora, todo viajante que por ali passa, pode
ler em placas fixadas em monumentos ou ouvir em poemas cantados nas bocas das
crianças, a história de heroísmo do povo de Ogmynt, que pressentindo o perigo
resolveram desafiar a natureza e mudar a geografia de uma montanha inteira
apenas com a força dos valorosos braços de seus filhos e com sua determinação
implacável.