Estava
recostado em sua poltrona de couro vermelha, na mão um copo de Bourbon, gostava
de admirar seus troféus de caça enquanto bebia. Cabeças de leão, tigre,
elefante, rinoceronte, alce, urso, empalhados crocodilo, condor, águia, sucuri,
onça além de muitas armas. Teria pensado em ler alguma coisa, mas o sono o
desestimulara, ficaria bebendo mais alguns minutos. Lá fora um temporal, estava
contente, também gostava de ficar ouvindo a chuva e o vento fustigando a sólida
casa, sentia-se protegido de tudo. As luzes apagaram, era normal quando
ventava. Ouviu um som, umas batidas na janela, como se alguém quisesse entrar.
Devia ser apenas um galho açoitado pelo vento. As batidas continuaram,
lembrou-se do corvo de Poe, do tempo de estudante, quando acreditava em amores
e ainda lia poesia, mas era só um galho, nada mais do que um clichê. Um que
outro relâmpago ameaçava iluminar a sala, lembrou de quando começou a caçar, de
como se sentiu poderoso matando e como era fácil matar, Encheu mais uma vez o
copo, outro relâmpago, mas desta vez não iluminou apenas o imobilismo, teve a
impressão de ter visto alguns animais se moverem. Quase teve certeza de ter
visto o tigre abrir a boca e o elefante erguer a tromba. Não sentia medo, mesmo
assim ficou incomodado com a demora em retornar a energia. Acendeu uma vela e
enquanto riscava o fósforo pode ver o crocodilo mover a cabeça. A batida na
janela recomeçara mais forte, resolveu ver o que era e foi iluminando o caminho
com a vela, quando abriu a janela um imenso corvo, de uma negrura vertiginosa,
voou para dentro, indo pousar sobre a cabeça do tigre. Era apenas mais um
clichê, não se deixaria abalar. Voltou para o conforto da poltrona, conferiu
sua faca na bainha e a pistola no coldre e encheu mais um copo. Um velho corvo
procurando abrigo, nada de nevermore.
Recostou-se pesadamente, os animais voltaram a exibir movimentos, sacou a
pistola e atirou, atirou, atirou, não mais como o frio caçador. Os disparos
acertaram os animais mortos, a cabeça do alce caiu da parede e o condor teve
uma das patas arrancadas, uma mão de macaco cai no seu ombro. Pega a faca e
desfere violento golpe que sem ter inimigo a acertar, perfura o próprio braço.
Sangra em profusão, procura algo para estancar, levanta e escorrega no chão
viscoso. Fica parado um tempo indefinido, tudo não passa de alucinações, tem de
manter a calma, o ferimento continua a sangrar e ainda deitado consegue fazer
uma atadura com um pedaço de cortina, enrola como pode o braço lacerado e tenta
se levantar, não consegue. Pela primeira vez sente o medo verdadeiro, estava
vulnerável, ferido, imobilizado, desarmado. Manteria a calma, olhou ao redor e
sentiu um arrepio percorrer lhe o corpo, o corvo continuava sobre a cabeça do
tigre. Ou era alucinação provocada pela escuridão, pela bebida, a perda de
sangue? A alucinação se corporifica, o corvo voa em sua direção e pousa sobre
seu peito, era maior do que imaginava, tenta gritar, grita, mas a ave não se
move. O corvo perfura com o bico o peito do caçador, até atingir o coração.
LM