1 -Das
tradições
Começou o
ano com as mesmas promessas: não lhe era lícito interromper as tradições.
03/01/2016
2 - Da
solidão
A chuva
encharcava suas noites, menos as roupas no varal e os passos da solidão.
04/01/2016
3 - Da
eternidade
Quis
confrontar a eternidade: dormiu e quando acordou, só, haviam apagado as luzes.
05/01/2016
4- Das
lembranças
Guardou as
lembranças nos divertículos, mas as cólicas não sabiam dividir o espaço e
reclamaram.
5- Das
palavras
Colecionava
boas palavras para parecer inteligente. Tinham-no por tolo: as palavras não
queriam ser inteligência, queriam ser poesia.
6- Da ilusão
Escreveu mil
palavras para fazer a melhor descrição de uma rosa: ficou perfeita, só faltou o
aroma.
7-Do
labirinto
Perdeu-se no
labirinto, quando estava quase desistindo, sonhou que era livre.
8- Do veneno
Privada das
presas, a víbora reaprendeu a inocular seu veneno, escondendo-o nas palavras.
9-Do remédio
Crédulo em
sua homeopatia, o boticário diluiu o remédio nas palavras. A receita falhou por
excesso de palavras.
10-Especulações
do fim
Havia o todo
e havia o nada, entre eles, os sonhos, o possível e o fim.
11- Do dia
Azulou-se a
noite toda para o sol e, ao amanhecer, não aguentou separar-se da lua.
14/1/16
Da noite
12- Soprou
um vento da lua que coloriu de prata seus cabelos. Sob o sol, desdenhava o peso
do dia.
15/1/16
13- Da morte
do artista
Um ponto
vermelho mínimo no centro da brancura da tela anunciava a morte do artista:
pintou com sua última gota de sangue e comemorou com champanhe.
16/01/16
14- Das
profundidades
Quanto mais
fundo cavava, mais ouro encontrava e menos lembrava das claridades.
17/01/16
15 - Da
morte nos tempos modernos
Quis morrer.
Acovardado, não puxou o gatilho: excluiu seus perfis das redes sociais. Agora é
lembrado com nostalgia nos chats.
18/01/16
16- Dos
ídolos argentinos
– Quero ser
Borges!
– Ficou
cego.
– Posso ser
Cortázar?
– Teve acromegalia.
– Então
serei Pierre Menard mesmo.
19/01/16
17- De
Cervantes
Que diria
vendo um moinho de vento a roubar toda louca magia para ficar girando sempre no
mesmo clichê?
20/01/16
18- De
Melville
Quando viu
seu livro exposto em casas de artigos para captura de baleias, chamou Bartleby
para anunciar: prefiro não fazê-lo.
21/01/16
19-De Joyce
Desavisados
acabam presos em um eterno16 de junho de 1904. Salvam-se quando descobrem que
não morrerão, se ausentes os pontos e as vírgulas.
22-01-2016
20- Do pacto
Feito o
pacto, se amariam aonde o amor não chegava e aonde os contratos não os
transformasse.
24/01/16
21- Da
eternidade II
Quando se
percebeu só, descobriu um dos significados de eternidade, os demais, pretende
passar o tempo tentando decifrar.
24/01/16
22- Do fim
Seria a
última vez. Esvaziou os bolsos e acalmou as hienas. Seria a últi... e ela
entrou, deixando a vida suspensa até a próxima última vez.
25/01/16
23- Do
desconhecimento
Planejou o
dia todo o passeio noturno, ao entardecer, descobriu que desconhecia a noite.
27/01/16
24- Da dor
do poeta
Sentiu a
maior das dores, não se julgando bom fingidor, gritou. Não teve socorro:
tomaram por fingimento, a dor que deveras sentia, então se sentiu poeta.
27/01/16
25- Dos
deuses
Orou,
clamou, fez oferendas e sacrifícios: para todos os deuses, ou para aquele que
melhor aparecesse na televisão.
28/01/16
26- Dos
sonhos
Sonhou que
era outro, ao acordar, pensou que era o outro sonhando ser ele, agora tenta se
encontrar nos sonhos, enquanto a vida desacorda ao seu redor.
27- Dos
sonhos II
Sonhou que
era Deus, acordou arrependimento e com uma divina frustração, por não ser Goya.
28- Do que
vale a pena compreender
Começou a
compreender o texto na terceira leitura e chorou. Não havia mais tempo para
leituras.
29- Dos
pedidos de socorro
Escrevia
compulsivamente variações da mesma dor. Tomavam por insights e seus pedidos de
socorro, adornam as estantes das boas salas.
30- Da morte
Já o haviam
esquecido e ele mesmo duvidava das lembranças e da própria identidade. Era hora
do corpo também morrer.