Não era habitável! Assim falavam,
carregados de certezas, marinheiros e aventureiros, também havia rumores sobre
perdas de sanidade mental dos que se aventurassem por aquelas terras. Ao
vaticínio de inabitável, impus-me o desafio, não sem receios, de ali me
estabelecer. A tarefa de circundar sua costa em busca de um porto receptível
foi realizada em não menos do que oito meses. Após escrutar com toda
diligência, escolhi uma enseada ao sul da ilha como sendo o local de aspecto
mais amigável e acolhedor. Ponderei ser ao sul a porta de entrada dos mais
gelados ventos, mas optei pelo frio, em detrimento das constantes tormentas
observadas ao norte e dos rochedos a leste e oeste. De qualquer maneira, em
qualquer dos lados, o que primeiro podia ser percebido eram as constantes
mudanças de humores da ilha, ora com mar calmo e brisa suave a chamar barcos e
baleotes, ora com vagas golpeando-se com ventos enlouquecidos. Tão repentino
quanto começava, uma tempestade carregada de chuvas se transformava em uma
linda e ensolarada tarde.
Por algum capricho, ou para sentir-me em
um local familiar, não desembarquei sem antes ter um nome para a ilha: Antônia.
Não ouso a pensar em Antônia sem ser a
formação insular, não ouso por em curso lembranças de uma outra Antônia, me
basta navegar e desembarcar em inabitável ilha, o nome, assim quiseram ou
deuses.
Fui paciente, perseverei calado em sinal
de aceitação do meu destino. Com tempos de calmaria se alternado a ventanias,
aprendi a enraizar-me, a resistir aos ataques de fúria e a isto sucederam
minhas primeiras recompensas. Descobri não haver vestígio algum de humanidade,
era o primeiro homem em Antônia, o primeiro a explorar sua geografia
exuberante, seus montes e suas profundezas, a mergulhar em águas cheias de vidas
e a sobreviver daquilo que ela me oferecia. Descobri fontes arcadianas e provei
frutos de nos fazer sonhar, aos poucos ela se revelava e revelava pequenos
tesouros e após nove anos já conhecia quase todos seus limites.
Não havia mais nada que valesse a pena
ser descoberto, mesmo assim eu insisti em continuar a buscar algo mais, algum
detalhe que me havia escapado, algum regato, ou caverna com novas maravilhas.
Deparei-me com uma gruta até então ignorada. Não era um caminho novo, já havia
estudado aquele bosque, já o havia catalogado, mas jamais percebera a gruta.
Estava tão bem assentado em minhas certezas cimentadas pela rotina que me
desacostumara das surpresas, imaginava ter compreendido os ciclos das
tempestades e as demais inconstâncias do clima. Esta nova gruta era um desafio
inesperado e indesejável.
Não foi de imediato que comecei a
explorar a gruta, pelo contrário, procurei esquece-la, adiei a incursão por
dias, semanas e meses, penso mesmo ter esquecido, ou simulei o esquecimento e
continuei minha vida. Ao cabo de muitos meses, distraia-me a colher frutos pelo
bosque quando percebi estar em frente a entrada da gruta. Ensejei novo
adiamento, inútil. Com poucos passos estava em seu interior.
Conjeturei ser o propósito de Antônia
manter segredo, mas logo descartei parcialmente tal pensamento, ela manteve o
segredo pelo tempo que quis. Talvez eu não devesse mesmo vasculhar certas
passados, mesmo suspeitando ser sua vontade revelar-se quando sentisse vontade.
Bastava um vento noroeste mais persistente, ou uma das chuvas de janeiro, para
a entrada da gruta ficar exposta.
No interior da gruta encontrei objetos
feitos por mãos humanas, habitantes anteriores a mim que deixaram registros de
suas passagens. Havia caixas cheias de utensílios como copos e facas, também havia
joias, muitos retratos, cartas e diários que não me atrevi a ler. Por um
instante formulei a hipótese de se tratar de algum esconderijo de saqueadores,
utilizado para ocultar o produto de seus ataques, mas indo mais para o fundo da
gruta descartei tal ideia, os donos daqueles objetos ainda estavam lá, exibindo
os dentes em um macabro sorriso. Enfim Antônia me recebia e me dava seu último
abraço.
LM