Sunday, May 13, 2012

O outro

    Antes de Isidore embarcar para Paris, o senhor Medina, imaginando uma viagem motivada pelo amor, recita alguns trechos dos Les Cahnts de Maldoror para o filho. O rapaz ouve em silêncio.

    − A dama que me espera em Paris apreciará a poesia da nossa gente. − Murmura, mais para si do que para o pai.

    Parado na frente do Hospital da Salpêtrièri, Isidore se sente ridículo por não ter procurado contatar o hotel antes de viajar. Colhe informações com os passantes e descobre ter sido demolido o antigo prédio, para dar lugar a este anexo do histórico Hôpital dês Invalides. Falta pouco tempo para seu aniversário e ainda não reuniu todos os ingredientes nem encontrou um hotel adequado. Olha para o edifício branco e se irrita com sua boa saúde. Nenhuma dor, nada de febre, tosse ou manchas vermelhas. Apenas a habitual palidez aristocrática herdada da mãe.

    Na Escola da Sagrada Família, em Montevidéu, quando aprendeu a conhecer poesia, descobriu de onde viera seu nome. Foi lá também que descobriu com quantos anos e de que maneira morreria. O estudante Isidore Lucien Herrera Medina, além do mesmo nome, nasceu no mesmo dia da morte de Isidore Lucien Ducasse, o Conde de Lautréamont: 24 de novembro de 1870. Naquela época ele percebeu que receber o nome do Conde exercera uma influência que Joaquim, Ernesto ou Ramon não exerceriam. Foi quando começou a se interessar pela escarlartina.

    Isidore custa a aceitar a idéia de não ocupar um quarto no hotel da Faubourg-Montmartre, número 7. Sem outra alternativa, se instala num hotel na Place St.-Sulpice com a Garnicière para fazer as últimas anotações nos seus Cantos. O quarto bem aquecido não tem as mesmas paredes desbotadas, como o Conde tanto apreciava.

    Reunidos os ingredientes, prepara a mistura de metileno, anfetamina, plantas alucinógenas e vinho. Mergulha nos abismos dos lençóis de seda até despertar preguiçosamente. Isidore procura por Deus ou pelo Diabo. Desorientado, lembra do mal-estar generalizado se espalhando pelas entranhas. Reconhece o quarto do hotel, seus manuscritos sobre a mesa e suas roupas espalhadas. Imaginou não deixar memória de si, mas ainda está no hotel. Já é dia 25. Ele continuará vivendo e morrerá como qualquer um, menos como o outro Isidore.


 

LM


 

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