Sunday, August 26, 2012

Infusão descongestionante de folhas de eucalipto




Turista italiano atacado e morto por um koala. A notícia, bastante incomum, foi publicada na internet e o incidente teria ocorrido em um zoo da China. Não fosse a discrepante imagem de um fofinho koala dando cabo de um homem, a notícia quase nem seria percebida, mas algo muito intrigante chamou minha atenção, o nome do turista italiano era Charles Trezinni.
Passados alguns dias, outras pessoas, que certamente leram a mesma notícia, mandaram e-mails para mim perguntando se eu havia morrido (ainda tem gente que me confunde com Charles Trezinni). Respondi a todos confirmando: sim eu havia morrido após o ataque de um koala, mas não tive tempo de convidá-los para meu sepultamento, pois as autoridades chinesas ainda não encontraram todas as partes do meu corpo e não queriam liberar o cadáver incompleto, diziam: entrou inteiro em nosso país, sairá inteiro. Outros me escreveram dando as condolências, pois julgavam ser eu um amigo muito íntimo do finado. Agradeci o apoio e contei como estava sendo difícil este momento de dor pela perda tão inesperada e trágica. Outro grupo de missivistas ficou extremamente surpreso ao descobrir que Charles Trezinni existia, e se mostraram indignados, como o remetente do e-mail a seguir.


Sempre soube de sua pouca criatividade, desde os tempos da faculdade, só não imaginei que chegasse aos extremos da falta de ética ao expor as vicissitudes de uma pessoa real como se fictícia fosse. Você é uma vergonha para os escritores. A.K.


Ao menos A.K. considera-me um escritor, coisa que às vezes nem mesmo eu concordo. Assim, para dirimir todas as dúvidas a respeito da existência ou não de Trezinni, da autoria dos textos publicados, da veracidade dos relatos, da sua morte e vida, resolvi convidar Charles Trezinni para vir a Joinville. Expliquei-lhe os motivos, mandei um link da notícia da morte de seu homônimo e a cópia dos e-mails recebidos referindo-se a ele. Segue a resposta.


Havia algo de lúgubre naquela manhã. Não posso afirmar com certeza o que era, assim como não sei direito como fui topar essa porra de viagem a um país tão distante de todas minhas referências. O máximo que conhecia da China eram as conversas entre Polo e Kublai Khan, nas Cidades Invisíveis, de Calvino. Quase nada. Assim, carregado de incertezas nas bagagens, encontrava-me no distante oriente, em uma merda de manhã, com uma baita ressaca provocada por uma bebida que nem sei que merda era, preparando-me para uma inocente e inofensiva visita ao zoológico. Além da ressaca ainda estava congestionado, mal conseguia respirar, a cabeça doía e cogitei ficar no hotel, mas precisava cumprir o roteiro e posar para algumas fotos (não falei, mas esta viagem eu ganhei em uma promoção, daquelas de enviar embalagens de produtos para um sorteio). Fui ao quarto do guia e pedi ajuda, expliquei meu mal estar. Ele ligou para a recepção (imagino), falou um monte de chang, iang e outras porcarias inteligíveis. Em alguns minutos um china trazia uma bandeja com chá e sei lá mais o que eram aqueles troços, só sei que fediam a desinfetante de banheiro. O amarelo gesticulava e falava uma porrada de coisa que eu não entendia, como já tava me enchendo o saco, dei uma moeda e fui levando ele pra porta. Não sabia o que fazer com aquele chá, tomei um baita gole, era a coisa mais horrível que já botara pra dentro dos bofes, não tinha só cheiro de desinfetante, tinha gosto também, mas destrancava o nariz. Tomei mais um gole e passei aquela beberagem pela cara. Abriu mesmo minhas narinas entupidas e era tão forte que ardiam os olhos. Abri a geladeira e tomei o que ainda havia de saudável: três cervejas e uma garrafinha de algum tipo de vodka. Antes de sair dei mais uma esfregada daquele chá na cara. Acho que aquele porra dava uma liga. Logo chegamos ao zoo, cheio de bichos fedidos (agora eu conseguia sentir o cheiro até da cueca do guia, o chá abria mesmo as narinas) e sem graça. Quando estávamos na ala dos koalas senti o cheiro da merda dos filhos da puta e lembrei de onde conhecia o cheiro de desinfetante do chá, era eucalipto. Mal terminei de concluir meu raciocínio só escutei uma gritaria e uns urros de animal e senti algo agarrando e arranhando minha cara. O resto é notícia requentada. C. T.


LM

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