Quis contar esta
história usando o mínimo possível as palavras. Não me dou bem com elas, são
traiçoeiras e quando penso que estou dizendo aquilo que quero dizer, elas
simplesmente mudam de sentido e dizem exatamente o contrário, ou pior, pois contrário indica a existência de apenas
duas versões e as palavras parecem ter muito mais do que só duas versões.
Viram, nem comecei a contar minha história e já gastei meio parágrafo dizendo
nadas, entupindo as leitoras com um punhado de palavras. Vou tentar ser direto,
vamos à história.
Quando conheci Cleide, não prestei
muita atenção. Tinha problemas demais para prestar atenção em todas as garotas
que eram contratadas na fábrica. Eu era encarregado do setor de almoxarifado,
serviço tranquilo, entregar umas peças e ferramentas a quem solicitasse, anotar
nas fichas e passar a maior parte do dia fazendo de conta que estava muito ocupado.
Não era um serviço tão ruim, mesmo assim era um saco e pagavam uma miséria.
Como ia dizendo, a Cleide era mais uma das garotas da fábrica, todas de brim
azul, sapatão, capacete, óculos de proteção, luvas, avental, ou seja, não dava
para distinguir muito bem quais eram as gostosas. Uma ou outra eu pensava “Essa
eu pegava”. O resto era a mesma coisa que beijar o Nicolau do esmeril.
Uma vez andei saindo com uma das
operárias, a Marli, até que era ajeitada, mas não deu muito certo, começou a
pegar no meu pé, arranjava qualquer motivo pra ir ao almoxarifado. Ela achava
que eu tinha um grande cargo porque não precisava ir para a fundição e virou a
me pedir dinheiro. Dizia que era emprestado, mas nunca falava em pagar. Fiz as
contas depois de um mês e descobri que era mais barato dar uma passada na zona
uma ou duas vezes por semana. Assim eu ia me ferrar e, ou eu saia, ou dava um
jeito de conseguir que a mandassem embora. O Lourival do setor pessoal me devia
um favorzinho. Fomos a uma farra e ele bebeu demais. Foi trabalhar ainda de
ressaca e, achando que tava abafando, quebrou o vidro do alarme de incêndio e
apertou o botão. Para livrar a cara dele assumi inventando um acidente enquanto
eu movimentava uma gaiola cheia de pacotes de peças e ferramentas, entre um
setor e outro. A história colou e o Lourival ficou me devendo uma pedra. E a Marli
foi pro espaço.
Continua...