Quando você
procura desesperadamente um assunto para escrever e não encontra e acaba caindo
na maldita armadilha de escrever sobre a falta do que escrever, desista, você
não é um escritor, está apenas fazendo cena para parecer mais inteligente ou
interessante do que realmente é. Normalmente quem mais faz isto são aqueles
escritores mais fajutos, que se dizem verdadeiros talentos. Para estes
iluminados, o assunto vem direto do céu, com todo o resto: assunto, enredo,
palavras, tudo. O escolhido pelos deuses da literatura só precisa colocar no
computador o recado dos céus. Quando os deuses saem para um passeio ou estão
simplesmente cagando, nosso pobre escritor não sabe sobre o que escrever e fica
enchendo o saco de sua meia dúzia de leitores com um monte de merda do tipo:
“Hoje nada me ocorria, lembrei-me da noite anterior, cuja fronha do travesseiro
cheirava a alfazema...” Ele não sabe o que é alfazema e o travesseiro deve ter
uma morrinha de baba acumulada, bem distante de qualquer odor floral.
Eu sempre tenho
algum assunto que poderia usar para escrever algo, o problema é que nem sempre
as palavras aparecem decentemente. Digito alguma coisa e leio apenas um monte
de porcaria com um assunto que poderia render uma boa história. Outro dia
resolvi contar a história de um sujeito que perdeu uma das mãos trocando o pneu
do carro, mas ficou tão ruim que minha vontade foi de que minha cabeça
estivesse sob o carro do sujeito da mão decepada. Fica evidente o quão limitado
sou como escritor, mas me consolo lembrando de um bando que consegue não
encontrar nenhum assunto quando se tem um milhão de assuntos por dia para serem
usados.
Manuel de Barros
escreveu que qualquer coisa é matéria prima para poesia e se ele falou, quem
sou eu para discordar. Um exemplo disto foi quando estava escrevendo estas
considerações. Um cara tocou o interfone, fui ver, era um maluco pedido uns
trocados para comprar comida. O cara estava quase se recuperando de um porre e
precisava mais combustível para queimar. Seu corpo já não era mais um corpo,
apenas uma fornalha tocada a álcool. Pedi para ele esperar um pouco, eu ia ver
se achava algumas moedas, antes preguntei o que ele fazia quando não estava nas
ruas. “Era escritor, e dos bons, mas um dia estava sem assunto e meu editor não
quis esperar e me mandou à merda.” Não acreditei muito naquela história e até
desconfio que alguém deu uma garrafa para aquele miserável bater na minha porta
e falar aquilo. Sempre tem alguém querendo rir ás custas da gente.
Procurei algo pra
dar ao sujeito, não tinha dinheiro, só cartão de crédito na carteira, fui ao
balcão das bebidas e fiz uma limpa. Catei aquelas bebidas que a gente compra ou
ganha, mas nunca bebe: uma garrafa de menta (era verde, mas não tenho certeza
se era menta), duas cidras, um vinho doce e uma garrafa de graspa. Coloquei
tudo numa sacola e levei até o portão. Quando entreguei o embrulho para ele,
dei uma de bom camarada, de coroa legal e falei: “Parceiro, não fale por aí que
era escritor, ninguém liga para escritores, diga que era um advogado que não
conseguiu livrar da cadeia um cliente seu que você tinha certeza da inocência e
o cara acabou sendo assassinado na prisão, daí você se desencantou com o
sistema e resolveu abandonar a vida para errar pelo mundo.”
Estava muito
satisfeito comigo, com minha boa ação do dia e não esperava muitas respostas,
quando o bebum me respondeu: “Cara, essa também é boa, vou usar. Antes eu dizia
que era médico e larguei tudo depois que uma criança morreu em minhas mãos, na
sala de cirurgia, mas um dia, quando acabei de contar a história, veio uma
gritaria do interior da casa, fiquei por ali olhando e o camarada que tava
falando comigo veio correndo e me agarrou pelo braço aos berros dizendo que eu
ainda era médico e que a sogra dele tava tendo um ataque. Foi a maior merda, me
livrei do cara e saí correndo.”
Pelo jeito o bebum
deve ter sido mesmo escritor.
LM
No comments:
Post a Comment