Thursday, July 21, 2011

Inutiliscência

Outro dia um sujeito de maus bofes me chamou de perfeito inútil. Desferi-lhe um cruzado de direita que raspou aquela cara gorda, acertei apenas vento, para sorte daquele metido a besta. Não deveria ser nada de mais, mais uma discussão no bar, nada muito diferente de tantas outras, a merda é que chamar-me de inútil acertou em cheio no pouco de orgulho que ainda me restava. Senti o golpe. A cada dia fui ficando pior até chegar a conclusão que devo ser o cara mais inútil da face da Terra. Fiz um rápido balanço da minha vida e entre prós e contras percebi que nenhum de meus atos merecia sequer uma nota de roda pé n´algum almanaque de bizarrices.
Entre os feitos positivos estaria o fato de ter concluído a faculdade de jornalismo, conquista com algum tipo de relevância, mas descobri, entre matérias encomendadas, reportagens (se é que se pode chamar reportagem textos com 3000 caracteres) chapa branca e outras obras ficcionais que esta é uma profissão tão inútil quanto a de ascensorista: qualquer um, por mais limitado que seja intelectualmente, consegue apertar o botão do elevador com o número do andar. No final das contas o jornalista finge estar contando alguma verdade enquanto o dono do jornal finge estar dando algum valor para verdade e todos fingem serem importantes e indispensáveis.
Preocupado em dar algum valor à minha vida procurei espelhar-me em exemplos de nobre existência, mas no final das contas, para ter uma vaga nos anais da história o sujeito deve se sacrificar por uma nobre causa. Legal, não fossem as nobres causas outro amontoado de grandes mentiras. Mentira ou não, o importante é se sacrificar: “Ó meu senhor Jesus, eu estou pronto para seguir-te mesmo no cárcere, mesmo até a morte, a imolar a minha vida por teu amor, porque sacrificaste a tua vida por nós.” e assim Antônio virou santo e é lembrado até hoje. Então, tudo a ser feito é se deixar esfolar e, em tempos de pirotecnia midiática, se deixar ser fotografado, filmado, entrevistado enquanto se é esfolado, contanto que seja por uma nobre causa. Até dava para adaptar a fala do santo para um contexto atualizado e substituir JC por algo mais apreensível pelos humanos dos tempos modernos. Algo não tão fugidio quanto aquele último refúgio do canalha nem tão alienante quanto Flamengo ou Ponte Preta, mas algo que santifique o imolado. Pelo jeito continuarei sendo inútil.
Afinal cheguei a conclusão que não sou o único classificado nesta categoria, apenas mais um na multidão, complanosparaofuturo, dezhorasdetrabalhopordia, repetindotodoosantodiasempreasmesmasmentiras, comprar casa financiada, carro financiado, esposa financiado, defender valores supremos como justiça social, liberdade, democracia até perder o emprego o carro a casa o brilho dos olhos e os valores supremos chupando o tutano do sujeito até o bagaço.
E o mais patético disto tudo são os que se dizem cientes da grande mentira que é o sistema e só o reproduzem diariamente para melhor poderem se infiltrar nas entranhas deste sistema e virem a ser o germe da sua destruição. Estes auto enganadores se imaginam escritores, poetas, jornalistas, artistas, agitadores sociais, revolucionários, subversivos, até assentarem, bem gostosinho, suas bundas flácidas nos macios sofás comprados em 10xsem juros. Para provarem sua virulência publicam, em blogs inexpressivos, textos recheados de críticas ácidas e no clube posam como seres superiores. Ninguém lerá seus textos e se alguém o fizer, não dará a menor importância.
Para coroar a farsa, embebedamo-nos e fingimos que temos amigos, fodemos e fingimos que amamos, pastamos e fingimos que nos alimentamos, lemos um monte de merda e fazemos cara de intelectuais metidos em pulôveres verdes, até a hora da nossa morte, amém.

LM

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