Tuesday, August 09, 2011

La vérité sort de la bouche des buveurs

Sizenando Veroninski contou-me ter morrido de tifo. Por um momento pensei em não acreditar, não costumo acreditar, de pronto, em estranhos e Sizenando era estranho em muitos sentidos. Depois de mais uma ou duas rodadas, acabei pondo em bom crédito sua causa mortis. Refletindo um pouco conclui não haver nada de excepcional nem ser impossível um sujeito contrair tifo e transmutar-se de vivo a morto. Resolvido o motivo do óbito, aceitei tomar parte de mais algumas rodadas e ouvir o que mais o cadáver de Sizenando Veroninski tinha a dizer.

Fiquei sabendo, por exemplo, da sua ímpar profissão: guilhotineiro. Pensei tratar-se de um profissional da indústria gráfica, mas fui logo corrigido, se referia mesmo ao instrumento de decapitar condenados. O funesto ofício, entretanto, não era exatamente sua ocupação, senão a de manter em bons termos a manutenção do artefato de degolação. Afiava a lâmina, encerava as cordas e canaletas, removia resíduos de sangue, verificava as travas, enfim, cuidava de todos os detalhes do mecanismo para que nada desse errado durante seu uso, garantindo assim o bom andamento das execuções.

Confesso ter achado-o um tanto despudorado por narrar com tanta naturalidade os detalhes de um ofício tão funesto, entretanto há que se dar um desconto, alguém tem de fazer o serviço e de preferência bem feito. Imaginem um condenado cujo pescoço não fora eficientemente atravessado pela lâmina, permanecendo meio vivo meio morto, com um enorme talho a escancarar os interiores da nuca. Ou um travamento repentino durante a queda da lâmina? Seria mesmo um despropósito, ainda mais tendo de se recorrer ao arcaísmo de valer-se de um carrasco, daqueles com capuz e a empunhar um enorme machado. E onde encontrar, às pressas, tal profissional habilitado? Não se encontra tão facilmente bons decepadores. Ao cabo, vi que seu ofício era bom e continuamos a conversar.

Contou-me também uma sua aventura em nossa cidade. Como achei uma história um tanto improvável de se por fé, julguei melhor não a reproduzir para ater-me apenas as verdades factuais.

O motivo de estar Sizenando Veroninski cá por estas terras foi sua vontade de promover uma visita a sua irmã, a bela e jovem Ludmila Veroninski. E isto interessou-me sobremaneira. Mas ele se revelou muito fraco para a bebida e quando eu estava prestes a saber mais sobre a moça, vi sua cabeça despencar lentamente em direção à mesa. Ainda tive tempo de salvar um copo pela metade, o que poderia ter-lhe causado grave ferimento e mais nada consegui extrair daquele corpo inerte. Como não tolero bêbados que não conseguem preservar o mínimo de dignidade e se entregam ao torpor em qualquer lugar, deixei-o lá, debruçado sobre as próprias secreções intra-intestinais, peguei a garrafa e saí. O ar frio da noite fez algumas avaliações e mediu 1386,72 ml de diversos tipos de bebidas destiladas em meu interior. Fiz menção de contestar a avaliação, mas vomitei antes, dei mais alguns passos e caí, provavelmente empurrado por algum malandro. Devo ter batido com a cabeça no meio-fio e dali em diante não tenho lembranças, a não ser de sentir o frio carinho da filha do Dr. Joseph-Ignace Guillotin sondando a textura do meu pescoço.

LM

1 comment:

  1. Anonymous3:24 PM

    vc, vc ,vc... vc é bom...

    Ainda mais, quando se trata de falar com alguém do outro lado da cortina, ou seja, um desencarnado. A imaginação é realmente algo sem limites.
    Muito bom.

    Dico.

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