Dei uma pequena
desviada, voltemos à Cleide. Ela era normal, outra operária, falava pouco e não
se misturava muito. Quando vinha ao almoxarifado mal dizia algum cumprimento
formal, fazia o pedido assinava a ficha sem olhar para mim. Nada nela chamava a
atenção e se lembro de tantos detalhes foi porque um dia ela me falou algo
estranho e a partir dali passei a prestar mais atenção nela.
— Você não liga de ficar aí,
sozinho, o dia inteiro?
— É melhor assim. Não sou muito
bom em conviver entre as pessoas.
— É melhor assim... Tchau!
Parece besteira, mas fiquei com
aquilo na cabeça. O que ela queria dizer? Foi quando comecei a observá-la e foi
quando percebi que ela andava com leveza, não como as outras meninas, que andavam
como se estivessem sempre carregando um saco de cavaco. Ela não, se movia como
uma pantera, em silêncio, movimentos contidos para ocupar o mínimo espaço e nas
poucas vezes que era possível ver os negros olhos sob a aba do capacete, a
gente encontrava um olhar que parecia estar te fulminando. Era uma grande gata
caçando. Precisava ver o que havia por baixo de todo aquele brim.
Faltavam poucos dias para o
natal de 86, sempre tinha alguém organizando um encerramento, um amigo secreto
e outras bobagens. Quem quisesse participar assinava ao lado do nome em uma lista
fixada no quadro de avisos. Já estava indo para meu quarto natal e nunca
participei de nada. Este ano mudei de ideia. A essa altura eu já estava com
pensamento fixo em Cleide, embora ela continuasse apenas me fulminando com o
olhar e falando duas ou três palavras cada vez que ia ao almoxarifado. E estava
tão infantilmente vidrado que tinha certeza de que iria pegá-la no sorteio de
amigo secreto. Já estava tudo planejado, cada palavra, o abraço na hora da
entrega do presente, que tipo de lembrança comprar, tudo certo para depois
daquele dia apenas marcar o encontro. Chegou o dia e peguei justamente o Nicolau.
Naquela semana ela veio pegar
umas brocas.
— Pegou quem homem
solitário?
— Pode falar antes
da entrega dos presentes?
— O que você acha?
— Acho que não. Foda-se.
Foi o Nicolau.
— Uau! O negão do
esmeril.
— É. Não peguei quem
eu queria.
— Não vai querer
saber quem eu peguei?
— Não, mas quero
saber o que vai dar.
— Essa que é a
melhor parte.
Ela cravou-me os olhos
fulminantes e não disse mais nada, virou-se como uma gata saciada foi caminhando
mexendo as ancas como se estivesse saindo do banho prestes a deixar cair a
toalha e pular na cama para transar como louca. Pude ver tudo isso sob aquela
roupa grossa e fiquei tão excitado que não teve jeito, tive que ir atrás das
prateleiras de peças e tocar uma punheta com a mão suja de graxa. Quando tava
quase terminando alguém me chama no balcão. Era o Nicolau, sempre ele.Continua...
LM
kkkkkkkkkk
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