Sunday, December 02, 2012

Parte II


Dei uma pequena desviada, voltemos à Cleide. Ela era normal, outra operária, falava pouco e não se misturava muito. Quando vinha ao almoxarifado mal dizia algum cumprimento formal, fazia o pedido assinava a ficha sem olhar para mim. Nada nela chamava a atenção e se lembro de tantos detalhes foi porque um dia ela me falou algo estranho e a partir dali passei a prestar mais atenção nela.

                — Você não liga de ficar aí, sozinho, o dia inteiro?

                — É melhor assim. Não sou muito bom em conviver entre as pessoas.

                — É melhor assim... Tchau!

                Parece besteira, mas fiquei com aquilo na cabeça. O que ela queria dizer? Foi quando comecei a observá-la e foi quando percebi que ela andava com leveza, não como as outras meninas, que andavam como se estivessem sempre carregando um saco de cavaco. Ela não, se movia como uma pantera, em silêncio, movimentos contidos para ocupar o mínimo espaço e nas poucas vezes que era possível ver os negros olhos sob a aba do capacete, a gente encontrava um olhar que parecia estar te fulminando. Era uma grande gata caçando. Precisava ver o que havia por baixo de todo aquele brim.

                Faltavam poucos dias para o natal de 86, sempre tinha alguém organizando um encerramento, um amigo secreto e outras bobagens. Quem quisesse participar assinava ao lado do nome em uma lista fixada no quadro de avisos. Já estava indo para meu quarto natal e nunca participei de nada. Este ano mudei de ideia. A essa altura eu já estava com pensamento fixo em Cleide, embora ela continuasse apenas me fulminando com o olhar e falando duas ou três palavras cada vez que ia ao almoxarifado. E estava tão infantilmente vidrado que tinha certeza de que iria pegá-la no sorteio de amigo secreto. Já estava tudo planejado, cada palavra, o abraço na hora da entrega do presente, que tipo de lembrança comprar, tudo certo para depois daquele dia apenas marcar o encontro. Chegou o dia e peguei justamente o Nicolau.

                Naquela semana ela veio pegar umas brocas.   

— Pegou quem homem solitário?

— Pode falar antes da entrega dos presentes?

— O que você acha?

— Acho que não. Foda-se. Foi o Nicolau.

— Uau! O negão do esmeril.

— É. Não peguei quem eu queria.

— Não vai querer saber quem eu peguei?

— Não, mas quero saber o que vai dar.

— Essa que é a melhor parte.
            Ela cravou-me os olhos fulminantes e não disse mais nada, virou-se como uma gata saciada foi caminhando mexendo as ancas como se estivesse saindo do banho prestes a deixar cair a toalha e pular na cama para transar como louca. Pude ver tudo isso sob aquela roupa grossa e fiquei tão excitado que não teve jeito, tive que ir atrás das prateleiras de peças e tocar uma punheta com a mão suja de graxa. Quando tava quase terminando alguém me chama no balcão. Era o Nicolau, sempre ele.

Continua...

LM

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