Era para ter falado pouco, ando
meio prolixo e repetitivo. Deve ser a idade, maldita velhice me fazendo
esquecer as coisas, contar sempre as mesmas histórias (é que nada de novo
acontece, as pessoas deveriam saber disto) e o que é pior, estou ficando
açucaradamente sentimental. Outro dia chorei na frente da TV, estava passando
um desenho com uns cavalinhos e uns caçadores e o herói e toda a mesma
baboseira de sempre e eu, durão, cara de mau, poucos amigos, o cara que falava
na lata sem ter medo das consequências, que encarou a turma dos Cavalazzi
sozinho e que botou pra correr o Afonsinho Canivete ali, chorando pelos
cavalinhos. Também Choro quando lembro da Cleide, talvez não seja só a velhice,
a solidão deve estar me afetando. Vou comprar alguns bichos, gato, cachorro,
tartaruga, sei lá.
Afinal revelamos o amigo
secreto. Fizemos um churrasco num dos quiosques da recreativa. Linguicinha banhenta,
filé simples (duro pra caralho), pão e salada de tomate com cebola. Pra beber
tinha cerveja, caipirinha de pinga, samba (igualzinho a festa dos gerentes e
diretores). Foi uma mistura infernal. Sei o que tinha para comer porque vomitei
pelo meu quarto e banheiro depois da festa e ali estava todo o cardápio, um
pouco mais melecado.
A hora da entrega dos presentes
é sempre igual foi uma chatice sem tamanho. Um bando de gente sem graça
tentando fazer piadas e dando pistas idiotas para falar quem tinham pego e
fazendo outras babaquices. Devo ser muito chato mesmo. Chegou minha vez, chamei
o Nicolau, sem fazer gracinha alguma e entreguei o presente, um par de Kichutes
43. Fui vaiado, não fiz as firulas esperadas. A Cleide pegou o Lourival,
maldito sacana, ganhou uma garrafa de vinho, que ela entregou como quem diz: “Vem
gatão, despeje este vinho ordinário no meu corpo e lambe tudinho, bem gostoso,
seu safadinho.” Ali eu soube que iria pegar aquela potranca, também sabia que
ela tava fazendo aquela cena pra mim.
Apesar da frivolidade, a festa
revelou-me muitas coisas. Mostrou como eram as garotas sem o brim engraxado e
pude constatar que a Cleide era realmente uma tremenda gata, a melhor de todas.
Tinha outras que também dava para passar na cara, tipo a Lurdinha, meio
baixinha mais gostosinha (deu até uma rima infame); a Eliana, mesmo um pouco
acima do peso e a Verônica, apesar de já estar meio velhusca, mas eu nunca fui
de escolher minuciosamente mesmo. Apesar de todas aquelas garotas, no dia
seguinte acordei com a mesma companheira de sempre: uma tremenda ressaca. Felizmente
tinha o sábado e o domingo para me recuperar.
O primeiro dia após as festas de
confraternização é algo surreal, as pessoas estão de saco cheio por terem de
aguentar seus empregos medíocres e mal remunerados, mesmo assim tentam fazer
caras alegres, como se estivessem reverberando a felicidade mágica da festinha
de final de ano da turma. No fundo estão todos querendo que os colegas se fodam
e se pudessem pisar uns nos pescoços dos outros para ganhar uma promoção ou uns
trocados a mais no salário, fariam sem pestanejar. Igualzinho ao dia seguinte
dos gerentes e diretores, menos a parte do mal remunerado. Mas o primeiro dia
depois daquela festa foi especial para mim, convidei a Cleide para sir e ela
aceitou. Tinha só que arranjar um horário possível, afinal ela era casada e
tinha dois filhos.
Continua...
LM
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