Saturday, December 08, 2012

Parte III


                Era para ter falado pouco, ando meio prolixo e repetitivo. Deve ser a idade, maldita velhice me fazendo esquecer as coisas, contar sempre as mesmas histórias (é que nada de novo acontece, as pessoas deveriam saber disto) e o que é pior, estou ficando açucaradamente sentimental. Outro dia chorei na frente da TV, estava passando um desenho com uns cavalinhos e uns caçadores e o herói e toda a mesma baboseira de sempre e eu, durão, cara de mau, poucos amigos, o cara que falava na lata sem ter medo das consequências, que encarou a turma dos Cavalazzi sozinho e que botou pra correr o Afonsinho Canivete ali, chorando pelos cavalinhos. Também Choro quando lembro da Cleide, talvez não seja só a velhice, a solidão deve estar me afetando. Vou comprar alguns bichos, gato, cachorro, tartaruga, sei lá.

                Afinal revelamos o amigo secreto. Fizemos um churrasco num dos quiosques da recreativa. Linguicinha banhenta, filé simples (duro pra caralho), pão e salada de tomate com cebola. Pra beber tinha cerveja, caipirinha de pinga, samba (igualzinho a festa dos gerentes e diretores). Foi uma mistura infernal. Sei o que tinha para comer porque vomitei pelo meu quarto e banheiro depois da festa e ali estava todo o cardápio, um pouco mais melecado.

                A hora da entrega dos presentes é sempre igual foi uma chatice sem tamanho. Um bando de gente sem graça tentando fazer piadas e dando pistas idiotas para falar quem tinham pego e fazendo outras babaquices. Devo ser muito chato mesmo. Chegou minha vez, chamei o Nicolau, sem fazer gracinha alguma e entreguei o presente, um par de Kichutes 43. Fui vaiado, não fiz as firulas esperadas. A Cleide pegou o Lourival, maldito sacana, ganhou uma garrafa de vinho, que ela entregou como quem diz: “Vem gatão, despeje este vinho ordinário no meu corpo e lambe tudinho, bem gostoso, seu safadinho.” Ali eu soube que iria pegar aquela potranca, também sabia que ela tava fazendo aquela cena pra mim.

                Apesar da frivolidade, a festa revelou-me muitas coisas. Mostrou como eram as garotas sem o brim engraxado e pude constatar que a Cleide era realmente uma tremenda gata, a melhor de todas. Tinha outras que também dava para passar na cara, tipo a Lurdinha, meio baixinha mais gostosinha (deu até uma rima infame); a Eliana, mesmo um pouco acima do peso e a Verônica, apesar de já estar meio velhusca, mas eu nunca fui de escolher minuciosamente mesmo. Apesar de todas aquelas garotas, no dia seguinte acordei com a mesma companheira de sempre: uma tremenda ressaca. Felizmente tinha o sábado e o domingo para me recuperar.

                O primeiro dia após as festas de confraternização é algo surreal, as pessoas estão de saco cheio por terem de aguentar seus empregos medíocres e mal remunerados, mesmo assim tentam fazer caras alegres, como se estivessem reverberando a felicidade mágica da festinha de final de ano da turma. No fundo estão todos querendo que os colegas se fodam e se pudessem pisar uns nos pescoços dos outros para ganhar uma promoção ou uns trocados a mais no salário, fariam sem pestanejar. Igualzinho ao dia seguinte dos gerentes e diretores, menos a parte do mal remunerado. Mas o primeiro dia depois daquela festa foi especial para mim, convidei a Cleide para sir e ela aceitou. Tinha só que arranjar um horário possível, afinal ela era casada e tinha dois filhos.

               

Continua...

 

LM

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