Friday, January 07, 2011

Outro texto de Paulo Horn

MARCHA DAS BARATAS

Primeira, acho que eu deveria ir embora, segunda, talvez para um lugar mais longe, onde eu pudesse voltar a estudar, mas, terceira, mas não tenho tanta certeza assim se eu gostaria de ir embora, de sair daqui onde vivi até agora e o que eu faria se não visse mais o cachorro branco deitado no pé da árvore todo dia de manhã, e quarta, o que me incomoda são essas baratas que parecem estar em todos os lados e vi essa saindo do pote de ração do Tobias e ele de lado, não chegava ao pote por medo daquelas patas que eram muito mais que as dele e talvez na pequenez houvesse algo de amedrontador ou ele só fosse um frouxo mesmo já que quando era pequeno comia até merda se eu não cuidasse, e terceira, o que eu vou fazer com o cachorro a hora que eu for embora, talvez devesse dar ele, mas tenho medo que alguem dê uma injeção no bicho, que ele não merece e muito menos dar ele para minha mãe que não deixa o cão ser cão, ora onde já se viu um cachorro que não lata e que mije só no lugar certo, para isso têm os gatos, que além de sorrateiros são limpinhos ao seu modo, segunda, é, eu teria que levar Tobias de qualquer jeito, mesmo que fosse ele quem atraísse as baratas da cozinha, e eu me vejo indo embora, sentando no ônibus, terceira, Tobias numa daquelas caixas com furinhos para respirar e eu sentado lá pela quarta fileira para fugir do chacoalhar das rodas via pela janela uma fila gigantesca de baratas na rodovia me seguindo e olha só, puta que o pariu tem uma barata gigante sentada ao meu lado, com licença, mas preciso ir ao banheiro e ela diz, pois não e recolhe várias patas para me deixar passar, quarta, e no banheiro eu lavo o rosto e também sou barata no espelho, é, quinta, realmente, não há como fugir destas malditas patas e Tobias está certo em olhar meio de longe por que eu tenho certeza que esses dias enquanto eu dormia uma delas me assediou, mesmo que não tenha certeza ela estava lá, e andou pelas minhas costas e que ria de minha cara, quarta, terceira, talvez num lugar menos movimentado não houvessem bichos como esse, talvez se eu fosse para uma cidade menor, com menos prédios e escapamentos, com gramados verdes bem podados e algumas rosas no jardim, com menos bueiros e esgotos, mas sei que não, segunda.
Primeira, eu talvez não devesse ir embora, segunda, talvez o certo fosse ficar aqui e daqui mesmo mudar as coisas, tomar coragem e voltar aos treinos de tênis de mesa e finalmente aprender a falar francês, terceira, esquecer de uma vez por todas Lúcia, andar ao sol e comprar um inseticida a base de água, prender Tobias no quarto por umas noites, longe de ralos e acho que voltar a fumar, comer mais sushi e talvez eu devesse convidar Lana para sair, mesmo que ela me meta mais medo do que as baratas em Tobias e isso também é besteira, quarta, ela é só uma garota, certo, uma garota muito mais bonita do que eu estou acostumado, mas vamos lá, não posso deixar que um par de olhos me tirem a ação desse jeito, mesmo que vivam tirando e eu devia pisar nas baratas, esmagar suas asas e patas no chão contra meu tênis e acho que amanhã se eu ver a Lana eu convido ela pra sair, quinta, nada muito especial, uma cerveja depois do expediente, isso se ela não estiver muito bonita, mas eu acho que ela aceita sim e eu posso pedir para ela, tu pode me ver um cigarro, não, o isqueiro eu tenho, (acho que eu gostaria de queimar uma barata viva) e o que tu vai fazer hoje e ela ia dizer que talvez saísse com uma amigas para dançar e então, tu não quer tomar alguma coisa depois do trabalho e ela iria sorrir e me dizer para encontrar ela naquele bar de esquina, no centro e quarta, amanhã, quem sabe, terceira, segunda.
Primeira, eu olho pro lado para ver se não tem nenhuma barata por aqui também, segunda, tinha uma me seguindo, tenho certeza, mas desapareceu de uma hora para outra, e talvez ela seja uma dessas voadoras e se esconda entre as nuvens por que eu sei que por mais que tu não acredites essas porras voam alto, e tem um grilo bem aqui, e eu espero que ele me fale algo, mas esse deve ser um meio tímido ou então ele é mudo por que fica mexendo essas pernas o tempo todo, mas eu não sei a língua dos sinais e como será que está Tobias essa hora, eu gostaria de passar um pouco mais de tempo com ele, mas as baratas, quarta, ainda tenho que decidir se vou mesmo e se for acho que tenho que vender o carro e talvez só alugue a casa, mas não sei, não gostaria de voltar para algo que alguém vinha usando e por isso eu te odeio Lúcia e vou embora, vou sim, mesmo que tenha que levar todas as baratas do mundo comigo, mesmo que rode por aí num ônibus cheio de patas eu carregarei comigo meu inseticida, meu isqueiro e serei o maior incendiário de baratas que o mundo já viu, e vou ser reconhecido e quinta, eu vou trazer Lana comigo e viver uma vida de aventuras e vão fazer um filme sobre mim e as baratas e quem sabe eu mesmo faça uma ponta como o cara da loja que vende o inseticida para mim e amanhã, quarta, amanhã eu ganho Lana que não me mete mais medo e sim, eu já vejo ela aqui em casa, acordando mais cedo que eu e me chamando por que vamos chegar tarde para o trabalho e ela amarra o cabelo num rabo-de-cavalo e eu ponho uma camisa qualquer e no caminho compramos o jornal da senhora no sinaleiro, terceira, eu vou para um lado e ela para o terceiro andar me dá um beijo na porta do elevador e vamos almoçar juntos, segunda, e eu entro na minha sala e ligo meu computador, primeira, e vejo se não tem nenhuma barata ao meu redor, digo olá para o louva-deus, ligo o PC e então escrevo, ponto morto.

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