Sunday, October 09, 2011

A verdade

Borges conjeturou estar a verdade nas quarenta sílabas das catorze palavras casuais escritas pelo deus nas listras dos tigres. Afonso Argifontes, no livro As descobertas espetaculares de Resemundo Fialho, descreveu, através de uma intrincada fórmula matemática, os caminhos para chegar à verdade. Partiu do pressuposto de existirem não uma, mas uma série de verdades aceitas pela sociedade como, verdades verdadeiras. Identificada essa série inicial, Argifontes, sem, no entanto, informar os critérios de seleção das verdades iniciais, enumerou os critérios de aceitação e de promoção das categorias de verdades, baseados em cálculos quantitativos da população da Terra, a distribuição demográfica das gentes nos países e a quantidade de formas possíveis de repetir os enunciados. Também imaginou, ou pensou ter imaginado, um meio de medir, agora qualitativamente, a força dos enunciados escapulidos das bocas dos melhores seres humanos. A definição desta última categoria não ficou exatamente clara nas deliberações argifontianas e, imagino não ser difícil encontrar tal classificação nas páginas das principais publicações, periódicas ou não, dos países avançados e seus análogos, abaixo dos trópicos.

    Faltou, no entanto, Afonso Argifontes explicar-nos como convencer aos menos favorecidos intelectualmente, a aceitarem a definição última do que é a verdade. Arrisco lembrar, para esta tarefa, do caráter messiânico de certas profissões, como a dos jornalistas e dos bookmakers. Também tenho fé na imparcialidade e na lisura dos meios de comunicação de massa, especialmente os providos de grande aparato tecnológico e financeiro, que podem levar aos mais ignóbeis grotões, a luz de formulações como as contidas em As descobertas espetaculares de Resemundo Fialho.

    Já Marcomino di Lampedusa, primo em elevado grau de Giuseppe, muito provavelmente inspirado nas notas de Afonso Argifontes, percorreu o mundo tomando notas de todas as verdades quanto pudesse anotar. Preencheu 82 volumes com as mais variadas formas das mais puras verdades jamais proferidas por homens e mulheres de bem, membros da fina flor de suas sociedades. Compilou suas notas e publicou, vindo a ser aclamado por público e crítica, Os poderes da verdade — Por comentadores diversos e notas de Resemundo Fialho, cujo intróito cita humildemente Diderot: "Devem exigir que eu procure a verdade, não que a encontre.", como se não tivesse logrado retumbante êxito em sua busca.

    Assim, todo aquele que tiver qualquer dúvida quanto o que é realmente verdadeiro, jamais deverá deixar de consultar as glorificantes páginas do Os poderes da verdade..., sob pena de sucumbir ante o peso das mentiras e das meias verdades. De minha parte, dispenso a aventura perigosa e insana de aproximar-me demais de tigres e símiles.


 

LM

2 comments:

  1. Anonymous6:23 PM

    é verdade, mas é difícil de acreditar.

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  2. Anonymous3:42 PM

    Espetacular

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