Monday, December 12, 2011

Libertas Quæ Sera Tamen

Buscou ainda algumas lágrimas, era imprescindível um pouco mais de comoção, estóico, mais ainda agora, longe de olhares condescendentes. Haveria de chorar, nada mais, um choro vindo de sombras do fígado, de reentrâncias do esôfago, de um dos ventrículos, só dele. E as lágrimas não brotaram. Tinha a obrigação de pôr-se em profundo pesar, mas não conseguia afastar-se da superfície dos sentimentos e assustou-se, como se diante de todo o mal, com um pensamento brotado de sua imaginação. Não poderia ser um pensar seu aquele, estaria ainda sob efeito dos acontecimentos funestos e além do mais, ele não era assim, ela também jamais mereceria tal tipo de luto de seu companheiro inseparável. Deveria, isto sim, guardar-se por meses, em memória dela. Xô maus espíritos! E afinal uma voz em sua mente pronunciou, de quase poder ser ouvido pelos vizinhos do prédio: Agora poderia fazer tudo que sempre teve vontade de fazer, mas nunca pôde. Tipo o que? Como!? Ainda dar ouvidos à voz e quere saber o que fazer? Tratou de exorcizar os demônios. Era preciso sair, era urgente sair para comprar bananas.

Ele examina cuidadosamente uma penca de bananas, parece ter muitas dúvidas sobre levá-las ou não para casa. Solícita, a atendente se aproxima.

— Encontrou o que procurava senhor?

— Ahhmm? Ah, não, não encontrei, nem sei mais se realmente quero encontrar, ou se a busca me basta.

— Desculpe...

— Já perdi entes queridos e por já ter, vivenciado isto, me imaginava mais preparados. Mentira. Estou sempre a perder pedaços de mim, nunca estou preparado para isto, cada parte que se vai deixa um vazio intransponível.

— Eu estava falando das frutas.

— Claro, as frutas, mas entenda-me, eu estava vulnerável naquele momento e queria falar com alguém, sem precisar escutar velhas fórmulas de como levar a vida daqui para frente, queria falar palavras que não existem e ouvir respostas que nunca foram dadas. Protegido por paredes profanas, ficaria escondido eternamente entre o marco de uma hora e outra e quando voltasse para a o mundo que os humanos chamam de realidade, não sentiria tão opressor o peso das minhas falências.

    — Acho que o senhor deveria procurar ajuda, não sei se estou preparada para isto, sou apenas uma verdureira, nada mais.

    — Tem razão, é que à vezes sinto falta de coisas que perdi, algumas foram caindo de meus bolsos, outras guardei em algum lugar e não as encontro mais, outras me doem de saudades, mas não recordo delas e não sei o que eram, sei apenas da dor e outras, tidas como muito caras, joguei-as pela janela por medo de perdê-las e agora, incompleto, tento seguir e tento encaixar, pedaços que encontro pelo caminho, em minhas lacunas.

    — Vai levar as bananas?

    — Meio quilo! Tem cerveja?

    No apartamento, deu-se conta de que era exatamente isto que estaria fazendo com ela em casa, comprando bananas e trazendo cervejas. Compreendeu não ser necessário passar o tempo para enxergar que não era ela a impedi-lo de fazer suas coisas extravagantes dos delírios de liberdade. Continuou comendo banana e bebendo cerveja, como sempre fazia.


 

LM

2 comments:

  1. Anonymous8:04 AM

    Maravilhoso. amei

    clemair

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  2. Anonymous9:54 AM

    kkkkk. Bom muito bom...

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