Tuesday, January 17, 2012




N.A.: De tanto contar histórias para minha filha dormir, acabei inventando algumas. Nenhuma verti para a escrita, deixei-as na fluidez da oralidade e elas estão sempre mudando um personagem, uma fala, mas como esta ficou sem um final, pois os animais sempre achavam algo para implicar com o pato, resolvi pô-la na ponta dos dedos. Creio ter encontrado um final (provisório) adequado, testarei amanhã à noite, lendo-a ao pé da Lua.

Uma feita, o pato cismou em fazer algo diferente, queria brincar, mas uma brincadeira nova. Tendo brincado com todo tipo de brincadeira que conhecia, calhou de fazer outra coisa: resolver pintar um quadro. Mas seria um quadro de que? Pensou, repensou até quase pôr um ovo e veio a idéia de pintar, justamente um ovo de galinha.

Cheio das vontades de impressionar os outros animais da fazenda, caprichou a não mais poder e pintou um ovo tal qual, ou melhor do que um ovo de verdade, de tal forma que nem a melhor das galinhas botasse um igual. Orgulhoso da sua obra saiu o pato pintor com sua pintura embaixo da asa e logo topou com o cachorro.

— Que é isso compadre pato?

— Ora, não é nada, só um ovo meu. E mostrou o quadro ao amigo.

— Nossa Senhora das Fazendas de Bichos, isso é um ovo seu, então o compadre é uma galinha? E eu sempre o tive por pato.

— Não, compadre cachorro, eu só pinto!

— Não entendo mais nada, então compadre pato, que eu pensava pato e era galinha, na verdade é um pinto.

O pato já começava a ficar nervoso e tentou explicar para o cachorro, mas este saiu numa gritaria desancada, alardeando aos quatro cantos sobre o ovo do pato, ou da galinha, ou (era um pinto?), que nem deu chance ao amigo. Inconformado o pato resolveu voltar para casa e pintar alguma coisa diferente, para desfazer o malfeito. Pintou um pinto, talvez o pinto do ovo da primeira pintura. No pátio da fazenda a bicharada só falava no pato galinha pinto.

Finalmente o pato terminou seu pinto e, igual ao ovo, era um pinto melhor do que qualquer pinto visto ou sonhado na fazenda. Mais orgulhoso ainda, saiu com sua obra prima e logo encontrou a galinha. Ainda bem, pensou, pois ela saberia que ele não poderia ser uma galinha, senão um pato.

— Que é isso comadre galinha? Perguntou a galinha, já tratando o pato como galinha.

— Comadre galinha, eu sou o pato, veja! Eu só pintei um quadro de ovo.

— Ah bom, compadre pato, mas mesmo assim, que é isso? Insistiu a galinha, já em cólicas de tanta curiosidade.

— Isso é só um meu pinto.

A galinha não acreditou no que via, era o melhor dos pintos, então o pato só podia ser mesmo uma galinha e das boas.

— Mas não é mesmo que o compadre pato é mesmo uma galinha das boas? Um pinto desses não é qualquer galinha a ter não.

— Não comadre galinha eu pinto.

A essa altura a galinha já não sabia mais se o pato era uma galinha, um pinto ou um pato e saiu desembestada cacarejando a descoberta. O pobre pato, já sem saber como agir, resolveu pintar o próprio retrato, assim ele só poderia ser um pato, nada mais. Voltou para casa e fez o melhor auto-retrato já pintado. Era muito melhor do que o próprio pato. Saiu estourando de orgulho e logo encontrou o coelho. Este, já sabendo das novidades do pato galinha pinto foi logo perguntado.

— Que traz lá compadre pato, ou comadre galinha, ou pinto?

— Largue mão compadre coelho, sou eu, o compadre pato e trago apenas isto... E antes de conseguir explicar que era uma pintura o coelho foi logo tirando suas conclusões e vendo dois patos, um melhor do que o outro, imaginou se tratar de um espelho.

— Ah, beleza! Um espelho, bem to carecendo dar uma deitada diferente no meu cabelo. E pegou logo do pato o quadro que julgava ser um espelho, mas viu apenas um pato refletido e entrou em pânico.

— Minha Nossa Senhora das Cenouras, virei num pato e dos bons! E saiu dando quac's pela fazenda e clamando ajuda para voltar a ser coelho.

Logo o burro veio ver o motivo de tanta gritaria, encontrou o coelho em polvorosa e o pato à beira de um ataque de nervos.

— Compadre burro, virei num pato, veja, é só pegar este espelho.

O burro pegou o quadro, que julgava ser um espelho e viu o melhor pato já imaginado. Não poderia ter acontecido coisa pior, também pensou ter virado um pato e saiu numa carrera doida, logo a bicharada já não sabia mais quem era pato, quem era, burro, quem era coelho e o pato, desatinado das idéias, não conseguia pensar em mais nada, até ter a idéia de pintar apenas uma tela branca. Assim ninguém poderia pensar nada e acabaria logo com essa confusão. Cobrir de branco a tela foi num já e sem perda de tempo ele estava na rua com sua nova obra.

Os animais já meio fora do prumo, mas ainda lembrando que toda a confusão iniciara-se com o pato, foram ver o que ele trazia.

— Vejam, ninguém virou pato, só eu continuo sendo pato. E mostrou a tela branca para os bichos. O porco se aproximou, cheirou, olhou e saiu guinchando feito louco.

— Minha Nossa Senhora dos Torresmos, eu sumi!

Os outros animais olharam para a tela e acharam que também tinham sumido. A correria agora era geral e o pobre pato pintor quebrava o cucuruto pensando em alguma forma de acalmar aquele bando de doidos. Desorientado e com medo de causar mais confusão o pato resolveu pintar sua última tela. Nela colocaria não só figura, mas palavras explicando que não era uma coisa, mas apenas uma pintura. Caprichou gigante na nova pintura, era um perfeito cachimbo suspenso no ar, enorme e embaixo deste perfeito cachimbo podia-se ler, em letras caprichadas, a frase: Isto não é um cachimbo.

A esta altura dos acontecimentos, o pato já não tinha mais entusiasmo, orgulho ou pretensão com sua obra, queria apenas mostrar aos outros animais para eles verem que aquilo era apenas um quadro, nada mais. Saiu de casa e encontrou o cavalo.

— Olá compadre pato, o que traz aí?

— Não é nada compadre cavalo, só uma pintura. E mostrou-a ao cavalo. Este olhou, olhou, reolhou e sentenciou.

— Compadre pato, você precisa se tratar, qualquer um sabe que isto não é um cachimbo, mas uma figura de cachimbo.

Em pouco tempo os outros animais chegaram e foram logo tomando parte da discussão.

— Largue mão compadre cavalo, isto é um cachimbo, mas o pato ainda precisa se tratar, pois qualquer um sabe o que é um cachimbo e ele nega que isto seja um cachimbo. Argumentou o porco.

— Deixem de sandices, o pato está mesmo muito mal e precisa se tratar, mas convenhamos, ou ele não sabe pintar, ou não sabe mais o significado das palavras, pois como ele nega algo que acaba de pintar? Questionou a vaca.

A discussão não se encerrou, os bichos não se entenderam e o pato, antes que alguém resolvesse interná-lo em um manicômio, saiu de fininho. Daquele dia em diante jurou que não pintaria mais figuras e se fosse pintar alguma coisa, apenas deixaria a tinta escorrer pela tela, procurando sua forma.

LM

1 comment:

  1. Anonymous1:05 PM

    Esses bichinhos não são fracos... hehehe...

    Dico.

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