Sunday, January 08, 2012

Ventrina

A distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente."

Einstein, Albert


 

    A incomum capacidade premonitória dos habitantes de Ventrina tornou esta cidade uma referência nos estudos do futuro. Todo aprendiz de vidente, cartomante, quiromante e demais gurus do porvir afluíam para Ventrina afim de tentarem apreender este dom. Inútil, tal característica é privilégio apenas dos nascidos lá. Os bebês ventrinenses, antes mesmo de aprenderem a falar as primeiras palavras já conseguem saber quando ficarão com fome, quando sua mamãe trará a gorda teta cheia de leite, a que horas eles chorão para terem suas fraldas trocadas e estas coisas do mundo dos bebês.

    Assim Ventrina nunca participou de uma guerra, pois seus inimigos jamais puderam usar o elemento surpresa para empreenderem um ataque à cidade, entretanto quando as forças rivais, especialmente de Zantrana, reuniam um exército colossal e os ventrinenses previam a própria derrota, estes providenciavam a rendição antecipada e enviavam um diplomata para negociar um armistício e os termos de um acordo de paz. Não havendo guerras, passaram a usar o tempo livre para as diversões. O governador geral de Ventrina resolveu, então, criar uma loteria. Foi um fracasso, pois todos acertavam os números e os prêmios eram muito menores do que o valor da aposta. Ainda buscando formas de entretenimento, os sábios elaboraram um complexo sistema de números e letras que deveriam ser decifrados. Quem o fizesse receberia mil gnaes de ouro. Como o resultado destes códigos não era algo pertencente ao futuro, os ventrinenses não poderiam se valer de seus poderes e haveria, enfim, uma disputa. Mas os sábios, como os demais habitantes, eram homens do futuro, e rapidamente esqueceram, eles próprios, como decifrar os códigos da loteria e, ainda, as pessoas previram que não haveria ganhador, portanto não fizeram suas apostas. Acabou ali a Loteria Oficial de Ventrina.

    Não havia escassez de ouro ou alimentos em Ventrina, eles sempre sabiam qual seria o melhor alimento a ser semeado, quando choveria, ou quando teriam estiagem prolongada, também sabiam quando encontrariam um novo veio de ouro, ferro, prata e assim sabiam quanto dos recursos da cidade poderiam utilizar. Os nobres, em seus jantares, divertiam-se tentando lembrar do passado, já os pobres, divertiam-se tentando esquecer o próprio futuro.

Certo dia, um eminente filósofo intuiu que se ele agisse de modo diverso do que havia sido previsto, ele poderia criar um futuro alternativo, fora do alcance das previsões. Resolveu visitar um amigo, fez os preparativos e tão logo estava na rua, mudou abruptamente trajeto, indo para o sul quando deveria ir ao norte e rumou para a casa de outro amigo. Chegando lá o segundo amigo não se surpreendeu com a visita. Disse ter previsto a súbita mudança de planos. Ele frustrou-se com o fracasso e escreveu um extenso tratado filosófico vaticinado que os ventrinenses estavam condenados a ficarem presos ao futuro. Ao terminar a obra ele já sabia o tamanho sucesso que faria e a grande repercussão que causaria e assim foi. Os efeitos da obra começaram a ser percebidos especialmente entre os mais jovens. Como eles sabiam o que deveriam fazer para continuarem com suas vidas como estavam, param de fazer tudo, esperançosos de que algo inesperado lhes acontecesse. Logos os pobres começaram a tomar atitudos semelhantes, pois como sabiam que continuariam sendo pobres e teriam de trabalhar de sol-a-sol para sustentar os ricos de Ventrina, pararam de trabalhar e ficaram em suas casas deitados em suas camas.

Tal inanição foi tida como uma rebeldia contra a ordem institucional da cidade e o governador geral mandou por a ferros todos os insurgentes. Os jovens sentiram o gosto da aventura, seriam presos, estariam lutando por uma causa. Os pobres, sabendo que morreriam trabalhando, optaram por morrer na cadeia. Ventrina começou a ruir. O governador geral, aconselhado pelos sábios, baixou um decreto proibindo qualquer cidadão comum a praticar a arte de previsão do futuro, restringindo este ofício apenas aos nobres, sábios e dirigentes da cidade. A inaplicabilidade da lei fez o governador geral e os sábios serem ridicularizados até pelas crianças e como todos previram que a cidade estava em franca decadência e que se tornaria um povoados de poucas almas desorientadas, deu-se início a grande diáspora ventrinense. A cidade acabou e seus habitantes, espalhados pelo mundo, foram gradativamente perdendo suas habilidades premonitórias, agora eles buscam um outro futuro, com alguma esperança, ao menos.


 

LM

    

    


 


 

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