Sunday, January 29, 2012

Pequenos contos de antes e outras fantasias

I

Luiz Eduardo dava bom dia, boa tarde ou boa noite para todos os passantes. Muitos achavam um mimo, mas, desconcertados, alguns senhores sisudos, apressados e acometidos de grave amnésia, respondiam impacientes ou, pior, simulavam não terem percebido. A gravíssima amnésia os fizera esquecer de quando tinham cinco anos.


 

II

Chamavam-no de Nego, uma forma carinhosa de não fazer esquecer a cor da pele. Quase negro, miúdo, assustadiço como um bichinho, tinha muitos irmãos e irmãs, mas poucas brincadeiras. Quase não se sabiam crianças.

    O inverno de 49 foi ardido e a pouca roupa se evidenciou, mas em compensação foi a estação que trouxe o primeiro caminhão visto por aquelas cercanias. Com estradas para bois puxarem seus carros, a máquina a gasolina pouco avançava com a terra feito lama. Nas subidas então, era só com muita estiagem. Nego e um de seus tantos irmãos se maravilharam com o ronco, com a cor, com os pneus patinando e tramaram para ele não ir embora. Fizerem emboscadas e a cada tope que precisasse de terra seca, saiam do mato e com cabaças cheias de água faziam a lama necessária para reter o caminhão. Quando o motorista desconfiou da burla, tiros na direção dos sabotadores afugentou as águas, mas não a lembrança do inverno de 49.


 

III

O cavalo tinha uma cabeça diferente e Luana, mal completado os três anos, sentia o estranhamento sem saber como explicar.

— Cadê a cabeça do cavalo?

— Este não é um cavalo filhinha, é um centauro e ele tem corpo de cavalo e cabeça de homem.

    A explicação do pai não foi convincente e ela continuava a olhar com estranhamento para a estátua. Depois de um tempo, como que em estado meditativo, proferiu uma sentença carregada de sabedoria em estado bruto.

— Não quero cabeça de homem. Quero a cabeça do cavalo!

1 comment:

  1. Anonymous5:06 AM

    As crianças nos dão cada lição, que sinto um grande desconforto em ser grande.

    Kalamed

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