I
Luiz Eduardo dava bom dia, boa tarde ou boa noite para todos os passantes. Muitos achavam um mimo, mas, desconcertados, alguns senhores sisudos, apressados e acometidos de grave amnésia, respondiam impacientes ou, pior, simulavam não terem percebido. A gravíssima amnésia os fizera esquecer de quando tinham cinco anos.
II
Chamavam-no de Nego, uma forma carinhosa de não fazer esquecer a cor da pele. Quase negro, miúdo, assustadiço como um bichinho, tinha muitos irmãos e irmãs, mas poucas brincadeiras. Quase não se sabiam crianças.
O inverno de 49 foi ardido e a pouca roupa se evidenciou, mas em compensação foi a estação que trouxe o primeiro caminhão visto por aquelas cercanias. Com estradas para bois puxarem seus carros, a máquina a gasolina pouco avançava com a terra feito lama. Nas subidas então, era só com muita estiagem. Nego e um de seus tantos irmãos se maravilharam com o ronco, com a cor, com os pneus patinando e tramaram para ele não ir embora. Fizerem emboscadas e a cada tope que precisasse de terra seca, saiam do mato e com cabaças cheias de água faziam a lama necessária para reter o caminhão. Quando o motorista desconfiou da burla, tiros na direção dos sabotadores afugentou as águas, mas não a lembrança do inverno de 49.
III
O cavalo tinha uma cabeça diferente e Luana, mal completado os três anos, sentia o estranhamento sem saber como explicar.
— Cadê a cabeça do cavalo?
— Este não é um cavalo filhinha, é um centauro e ele tem corpo de cavalo e cabeça de homem.
A explicação do pai não foi convincente e ela continuava a olhar com estranhamento para a estátua. Depois de um tempo, como que em estado meditativo, proferiu uma sentença carregada de sabedoria em estado bruto.
— Não quero cabeça de homem. Quero a cabeça do cavalo!
As crianças nos dão cada lição, que sinto um grande desconforto em ser grande.
ReplyDeleteKalamed