Wednesday, February 01, 2012

Telesacanagem

Minha cabeça doía como se o cérebro tivesse sido chacoalhado em um liquidificador, lá fora uma guerra era travada, uma guerra por valores que eu desconhecia e por motivos ainda mais ignorados, liderada por homens desprezíveis e sustentada na televisão por campanhas jornalísticas. Já havia dado minha contribuição para aquela merda toda, já havia matado muitos inimigos e outro tanto de aliados, já havia deixado meu sangue e partes de meu corpo no campo de batalha, agora eu só queria tomar umas cervejas, dormir um pouco e depois dar uma trepada; comer uma porção de bolinhos da chuva, ovo frito e café preto. Não era pedir demais, não era nada demais para um veterano, que cagou com amigos, família, com a vida, defendendo os valores dos mesquinhos donos do poder, dos plutocratas e dos fantoches colocados em altos cargos, era só isso. Como meus desejos não se realizariam, não tinha jeito, precisava sair de dentro da espelunca alugada por 50 paus por semana e tentar arranjar alguma coisa pra fazer. Já tava sem grana, sem bebida, sem merda nenhuma nas tripas e com o aluguel atrasado, dona Clotilde não me deixaria mais uma semana sem mostrar algum dinheiro, ou já ter arranjado um trabalho. Fui à agencia de empregos: motorista, não tinha renovado minha carteira; ajudante de carga e descarga, muito velho pra esse tipo de serviço; pedreiro, nunca fiz um balde de massa; frentista, talvez sirva; repositor de supermercado, pode ser; repórter, joguei fora meu registro profissional; revisor de texto, legal; auxiliar de produção, desde que não precise fazer força; açougueiro, não, seria capaz de decepar meus polegares naquelas serras; vendedor, não tenho mais paciência; professor universitário, se não achar nada melhor vou até lá; telemarketing, que porra é essa? Vou encarar.

    Me colocaram em um curralzinho do tamanho de um ovo, não era possível descolar os cotovelos do corpo e se virasse o rosto para o lado batia com o nariz na divisória, na minha frente um teclado, uma tela de 10 polegadas e socado na cabeça os fones de ouvido e o microfone. Antes de ser entalado no curralzinho tivemos um extenso treinamento de um dia. Eu e mais uns vinte otários e otárias aprendemos a dizer "É um prazer receber a sua ligação, meu nome é Charles Trezinni. Em que posso ser útil?" ou, "Lamentamos o ocorrido, tenha certeza que foi uma falha pontual, vamos estar resolvendo seu problema em até 72 horas, caso não seja plenamente atendido, entre em contato novamente e vamos estar encaminhando o senhor para o departamento técnico." E outras baboseiras do gênero. No final das contas até que era legal trabalhar lá, não precisava ficar olhando para as fuças de ninguém, as ligações eram da puta-que-o-pariu e não tinha risco de algum daqueles milhares de clientes insatisfeitos entrarem porta à dentro sentando o braço em quem estivesse pela frente, e dava para ficar fazendo palavras cruzadas enquanto os trouxas do outro lado da linha pensavam que estavam sendo atendidos. Só não dava para não atender as ligações, tentei mocosar e não atender ninguém, fiquei fazendo de conta que falava com alguém, mas logo veio um sujeito dando cutucões nas minhas costas.

— Trezinni, se quiser ficar brincando posso te dar as minhas bolas como brinquedinhos. Atenda logo os malditos telefonemas.

Descobri que eles um controle de ligações e sabiam exatamente quando você estava trabalhando ou não e era bom cuidar com o que falasse, pois também monitoravam nossas conversas. Como devo ter um imã que atraí a escória, com o tempo começou a aparecer na minha mesa uma ligação mais absurda do que a outra. Era uma velha dizendo que seus filhos a abandonaram e há mais de cinco anos que não tem notícias deles; ou um caminhoneiro com o caminhão quebrado e sem nada para fazer enquanto o guincho não chegasse resolveu trocar a senha e contar umas vantagens e mentiras de suas aventuras na estrada; um viciado querendo falar com a mãe dele e outras esquisitices.

Me passaram para o turno da noite e neste horário as coisas só pioraram, mais malucos desocupados ligavam para zoar com a gente e eu, pára raio de bizarrices, os mais doidos pareciam cair justo na minha mesa.

— É um prazer receber sua ligação! Meu nome é Charles Trezinni, em que posso ser útil?

Uma voz —parecia de homem— respondeu quase sussurrando.

— Como você é neném?

Percebi a sacanagem e como não tinha nada melhor para fazer, entrei na brincadeira.

— Já não sou mais tão jovem, mas ainda tenho um ou dois truquezinhos na manga.

— Gosto de coroas safados, gosto de brincar com aquelas bolas murchas enquanto minha boca suga toda sua alma.

Não me agradou muito a idéia de um marmanjo brincando com minhas bolas murchas, mas como o traste deveria estar do outro lado do país continuei com a viadajem.

— Minhas bolas e todo o resto são bem menos murchas do que você pensa benzinho, posso te arrombar com uma fincada bem dada.

— Ui! Seu velho lobo! Safadinho! Garanto que também vai gostar do meu brinquedinho, também posso dar uma metidinha gostosa, senti que tu é do tipo que não rejeita uma boa sacanagem, não importa de que lado ela venha.

A bicha agora tava querendo me comer, ainda bem que estava protegido em meu curralzinho, a quilômetros do safado.

— Sempre soube que você não era de negar fogo, seu velho sem vergonha, vamos nos divertir muito, mal posso esperar terminar o turno. Vamos dar uma escapadinha no banheiro?

O negócio começou a ficar complicado. Como assim "escapadinha no banheiro?", de onde diabos este tarado tá falando? Estiquei o pescoço por cima da divisória do curralzinho e olhei para os lados. Na outra fileira, lá no fundo, sentava um alemão ossudo de uns dois metros de altura, o rosto cheio de espinhas, ele quase nunca falava com ninguém e como eu também nunca falava com ninguém, pra mim tava bom. Quando olhei na direção do alemão ele tava levantado da cadeira olhando em minha direção, quando percebeu que o enxergara, deu um risinho maroto e uma acenadinha, com a maior mão que já vi. Me encolhi no curralzinho, deslizei pela cadeira e fui, quase gatinhando em direção à saída. Não voltei nem para acertar minhas contas e, para não ser despejado, tive de fazer uns serviços extras para dona Clotilde. Era menos pior do que ter aquele brutamontes espinhento pendurado nas minhas bolas e depois me agarrar com aquelas manoplas e me foder.


 

LM

4 comments:

  1. Anonymous5:15 AM

    kkkkkkk..rrrrrr.rsrsrsrrs.hihihihihihihi

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  2. Anonymous5:16 AM

    Cara que pesadelo....muito bommmmmmmmm

    Carlos

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  3. Anonymous3:56 AM

    Adorei....

    Kalamed

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  4. Caracas, isso foi muito irado...
    É de correr uns três dias sem parar...

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