Sunday, February 19, 2012

Três atos da morte

I - Heráldica


 

De Portugal, levas de figuras inconvenientes foram convidadas a se aventurarem até as Índias. Em 1806, embarcaram aqueles lusíadas menos valorosos. Entre os expatriados, a Sebastião Açuz Mendes, coube o privilégio de ser o elo a unir os Mendes da Rua Torres, em Joinville, à Europa.

    Entre o primeiro e o mais novo Mendes, cinco gerações de degenerados, escravos, prostitutas, ladrões, viciados, poetas, falsários, pagãos, suicidas e o que é mais impressionante: nenhum assassino. Sebastião não derramou sangue alheio e sua descendência, mesmo na ignorância deste detalhe, também não o fez.

    Em 2006, Sebastião da Silva Mendes, acusado de um assassinato que não cometeu, é preso. Morre durante uma rebelião.


 


 


 

II - O truco


 

Jarbas embaralhou bem as cartas e entregou-as ao Vargas.

    — Corta! — ordenou.

    — Não carece de me dar ordens! — disse no tom ameaçador dos truqueiros, tentando aumentar a animação.

    Rei de paus, pica fumo e desafios fingidos. As imprecações eram proferidas de modo teatral. Mais pareciam senhoras no bingo da igreja se fazendo de valentes.

    — Mata agora — desafiou Miguel deixando o copas cair suavemente na mesa.

    Por que será que a gente não acostuma com a morte? Falou de maneira apática Jarbas, ao mesmo tempo em que jogava o gato.

    — Que horas ele morreu? — Perguntou Antonelo, parecendo estar fora de sintonia.— Eu não entendo. — Continuou.

    — Que horas morreu o Pedro Caixa d'Água ou o copas do Miguel? — Troçou Vargas, distraindo o companheiro para poder pegar o baralho antes da sua vez.

    — Há muita coisa que a gente não entende.— Jarbas deu um tapa não mão do Vargas para recuperar as cartas roubadas. — Como um baralho voltar para a mão de um ladrão, por exemplo, ou o que tem quando acaba a negrona.

    — Vamos tomar uma pinguinha? — Disse Antonelo, recuperando a sintonia.


 


 

III - Através do vinho


 

Ouço Gardel vibrar através de uma copa de tinto e creio uma Argentina particular, com Martin Fierro, Negro Uribe, Baltazar e um Borges íntimo. Escrevo tudo em papeizinhos — para não esquecer nada —, meto-os nos bolsos e perco-os pelo caminho. Enquanto busco as respostas que neles amarrei, giro mais uma vez o tambor. Não acredito na sorte e me amaldiçôo por estar escrevendo em português, por não saber mais dançar tango e por escutar o clique inofensivo do cão. Giro mais uma vez.


 

LM

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