A cavalgada
fora a mais longa e muitas as dificuldades. Afinal chegaram, era algo
Pasárgada, Shangri-La, Arcádia, a perfeição. Não precisaria mais de todos
aqueles pertences de viagem. Levou o cavalo até o lugar apropriado e com um
tiro certeiro o corpo caiu no rio para ser levado ao mar, junto com os demais
lixos.
04-09-15
Quando o cão
morreu, todos da casa correram aos armários, gavetas, potinhos coloridos,
embrulhos de sacolas plásticas e tantos invólucros onde pudessem estar as
lágrimas da família. Enterraram-no sem prantos: as lágrimas estavam na sacola
que o cachorro havia mastigado na semana passada.
03-09-15
sob os pés a
terra
lhes foi
negada
lançaram-se
ao mar
heróis sem
navios
tão sádico
deus
atirou
garrafas n’água
co’a mais
dura mensagem:
– Nasceste
para isto!
02-09-15
Quando
começou chover, sentiu que precisava contar quantos pingos cairiam nas flores.
Calcular a área do jardim, precipitação pluviométrica, tempo transcorrido.
Avançou pela noite em equações e conjeturas. Ao amanhecer, havia sobre a mesa
um haikai com o cheiro da primavera e no chão, uma evaporável poça d’água.
01-09-15
Perguntaram-lhe
os nomes dos avós, pensou por alguns instantes e percebeu que não sabia ou não
lembrava. Em quanto tempo seu nome também seria esquecido? Sentiu a
inexorabilidade do fim. Inconformado (ou seria mais amedrontado?) com a
finitude e insatisfeito com as respostas da religião, planejou fazer algo para
ser lembrado. Entraria para a história e seu nome não frequentaria apenas uma
lápide coberta de limo. No dia marcado, levantou-se da cama e uma insuportável
dor no peito anunciou o infarto fulminante. Seu corpo ficou esquecido no chão
da cozinha, até a chegada da primavera.
30-08-15
Procurou nos
bolsos, embaixo do tapete e no vaso perto da entrada, sem sucesso. Refez o
caminho olhando atentamente nas frinchas das calçadas, entre as pedras da rua e
sob os escombros de ausentes transeuntes. Era quase noite quando encontrou a
chave. Não comemorou, sentou-se no meio-fio, mantendo a cabeça baixa como se
ainda vasculhasse o chão: não sabia mais onde estava a porta.
28-08-15
Do plantio,
imaginou estar próximo da metade: havia feito 46 buracos bem medidos, com a
exata profundidade de sua própria altura. Revirou bolsos, os poucos pertences e
se deu conta de estar sem as sementes. Deixou as covas vazias, menos uma.
26-08-15
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