Após 30 anos
conseguiu a liberdade. Andou com as lembranças dos pés até o local do crime, a
antiga casa virou progresso, ele um velho monologista. Pela primeira vez se
perguntou se valeu a pena ter assumido a culpa. Guardou a resposta, agora sua
alma estava menor e era hora de encontrar um bom lugar para terminar de morrer.
13/10/15
Inventou um
cotidiano onde nada poderia dar errado. Trajetos, rotinas, tarefas, tudo
planejado, cronometrado. Seguia sol e lua, nos dias de chuva lia Kant. Sentia a
certeza do sucesso do seu invento, até que um vento de julho fez estremecer.
Neste instante se distraiu encontrou um par de olhos e uma boca que
desinventaram suas certezas.
12/10/15
Ao ler as
inscrições “Et in Arcadia Ego” soube que tinha tarefas a fazer. Passaria o
terno, lustraria os sapatos e faria a barba. Incomodou-se por estar só e por não
saber como inventar lembranças. Fez menção de deixar uma carta, escreveu:
Arcadia é uma merda... A caneta estancou
e o branco da folha o consumiu.
11/10/15
A cada noite
atirava ao mar uma garrafa com pedido de socorro. Não sabia pedir socorro,
então escrevia versos de amor, histórias fantásticas, tratados filosóficos,
receitas de cerveja artesanal e crônicas da solidão. Quem encontra as garrafas
ignora ser um pedido de socorro, mas lê e em seguida socorre alguém ao seu
lado.
10/10/15
Distribuiu
cartas, bilhetes e cartões sobre a mesa, esforçava-se em vão, mas não
compreendia coisa alguma. Iludia-se, como se fossem todos para ele. Adormeceu
sobre os papéis e sonhou que era um bode e que decifrava os segredos. Acordou
ansioso, acreditando que poderia ler e viu que as folhas tinham sido devoradas.
09/10/15
Para fugir
de sua condenação, transformou-se em um verme. Prescrito o crime e suspensa a
pena, retornou à antiga forma, mas desaprendera como andar ereto e agora
rastejava. Seus seguidores, desacostumados a pensar, o imitaram, logo quase
todos rastejavam e pregavam a morte daqueles que mantinham as cabeças longe da
imundice.
08/10/15
Ao dar
adeus, na hora do aceno descobriu que havia perdido os membros superiores.
Surpresa maior foi não saber quando e como isto ocorreu. Não lembrava a última
vez que usou braços e mãos, tampouco recordava o significado das palavras
abraço e carinho. Partiu sem despedidas nem apertos no peito.
07/10/15
A casa já
não cabia mais nele. Sem olhar para trás, abandonou o passado a procura de algo
a ser encontrado. Após muitos anos, a circunferencialidade o fez retornar à
cidade. Em sua antiga casa, foi capturado pelas memórias. Ficou ali o tempo que
lhe restava e morreu como se partisse pela primeira vez.
07/10/15
Amava-a e tinha
de partir, não sem jurar o retorno. Lutou nas cruzadas, sua espada matoumutilou
infiéis, demônios e bruxas. Após uma ausência ulissiana, voltou e foi
procura-la. Estava mais linda do que nunca e curava as feridas de infiéis e
demônios: metamorfoseara-se em bruxa.
05/10/15
Pactuaram
morrer juntos. Planejaram o modo e o local, faltava a data. Um imprevisto na
família provocou o primeiro adiamento, ir ao auxílio de um amigo doente, mais
um. A cada imprescindibilidade, novo adiamento. Diferente das outras pessoas,
estavam conformados e convencidos de suas mortes, faltava só a data.
04/10/15
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