Sunday, August 07, 2016

Após 30 anos conseguiu a liberdade. Andou com as lembranças dos pés até o local do crime, a antiga casa virou progresso, ele um velho monologista. Pela primeira vez se perguntou se valeu a pena ter assumido a culpa. Guardou a resposta, agora sua alma estava menor e era hora de encontrar um bom lugar para terminar de morrer.
13/10/15

Inventou um cotidiano onde nada poderia dar errado. Trajetos, rotinas, tarefas, tudo planejado, cronometrado. Seguia sol e lua, nos dias de chuva lia Kant. Sentia a certeza do sucesso do seu invento, até que um vento de julho fez estremecer. Neste instante se distraiu encontrou um par de olhos e uma boca que desinventaram suas certezas.
12/10/15

Ao ler as inscrições “Et in Arcadia Ego” soube que tinha tarefas a fazer. Passaria o terno, lustraria os sapatos e faria a barba. Incomodou-se por estar só e por não saber como inventar lembranças. Fez menção de deixar uma carta, escreveu: Arcadia é uma merda...  A caneta estancou e o branco da folha o consumiu.
11/10/15

A cada noite atirava ao mar uma garrafa com pedido de socorro. Não sabia pedir socorro, então escrevia versos de amor, histórias fantásticas, tratados filosóficos, receitas de cerveja artesanal e crônicas da solidão. Quem encontra as garrafas ignora ser um pedido de socorro, mas lê e em seguida socorre alguém ao seu lado.
10/10/15

Distribuiu cartas, bilhetes e cartões sobre a mesa, esforçava-se em vão, mas não compreendia coisa alguma. Iludia-se, como se fossem todos para ele. Adormeceu sobre os papéis e sonhou que era um bode e que decifrava os segredos. Acordou ansioso, acreditando que poderia ler e viu que as folhas tinham sido devoradas.
09/10/15

Para fugir de sua condenação, transformou-se em um verme. Prescrito o crime e suspensa a pena, retornou à antiga forma, mas desaprendera como andar ereto e agora rastejava. Seus seguidores, desacostumados a pensar, o imitaram, logo quase todos rastejavam e pregavam a morte daqueles que mantinham as cabeças longe da imundice.
08/10/15

Ao dar adeus, na hora do aceno descobriu que havia perdido os membros superiores. Surpresa maior foi não saber quando e como isto ocorreu. Não lembrava a última vez que usou braços e mãos, tampouco recordava o significado das palavras abraço e carinho. Partiu sem despedidas nem apertos no peito.
07/10/15

A casa já não cabia mais nele. Sem olhar para trás, abandonou o passado a procura de algo a ser encontrado. Após muitos anos, a circunferencialidade o fez retornar à cidade. Em sua antiga casa, foi capturado pelas memórias. Ficou ali o tempo que lhe restava e morreu como se partisse pela primeira vez.
07/10/15

Amava-a e tinha de partir, não sem jurar o retorno. Lutou nas cruzadas, sua espada matoumutilou infiéis, demônios e bruxas. Após uma ausência ulissiana, voltou e foi procura-la. Estava mais linda do que nunca e curava as feridas de infiéis e demônios: metamorfoseara-se em bruxa.
05/10/15

Pactuaram morrer juntos. Planejaram o modo e o local, faltava a data. Um imprevisto na família provocou o primeiro adiamento, ir ao auxílio de um amigo doente, mais um. A cada imprescindibilidade, novo adiamento. Diferente das outras pessoas, estavam conformados e convencidos de suas mortes, faltava só a data.

04/10/15 

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