Meu amigo, o Batman
Não gosto de botecos, muito menos daqueles com chão sujo e não fosse pelo preço da cerveja, jamais os freqüentaria. É o ponto de partida da noite e o de regresso pela manhã de toda sorte de seres: bichas, lésbicas, putas, estudantes pequenos burgueses querendo dar uma de descolados, poetas, funcionários públicos do décimo escalão e super heróis. Até gosto de presenças tão ecléticas, mas tenho especial antipatia por super heróis. Sempre tem um disposto a vir na direção da gente com as mais inconvenientes propostas. O último foi o Batman, com máscara, capa preta, cinto de utilidades e tudo.
Como já disse, o preço da cerveja motivou minha escolha e a mesa do fundo dava um certo isolamento, tão essencial ao ato de escrever a respeito da condição humana e suas angústias. Trabalhava seriamente com a discrição devida aos gênios em ação, amparado pela garrafa e entrincheirado na mesa. Qualquer um com bom senso suficiente teria percebido a gravidade do momento e ter-se-ia posto distante e era exatamente isto o que eu mais queria. Minhas precauções foram inúteis, mas perdoei a primeira interrupção por tratar-se de meu velho amigo Werner: um importantíssimo militar, preterido nas promoções por uma grande conspiração política e que por isso ainda ostenta a divisa de soldado. Meu amigo soldado, sempre foi um bom companheiro de copo e até não é mau sujeito, mas está sempre de taciturno e preocupado com a possível presença dos seus perseguidores. Ocultos sob a despretensão de uma mesa de bar, já tratamos dos mais importantes assuntos do país naquele boteco. De nossas conversas já saíram até planos, perfeitamente factíveis, de derrubar o governo e instaurar o mais puro comunismo, além de outros, menos importantes, como criar um site que divulgaria documentos secretos do governo estadunidense.
Na noite em questão, estávamos traçando os rumos da América Latina, tão cara às nossas preocupações quando o Batman nos interrompeu. A julgar pelo heróico entusiasmo, poderia afirmar que estava embriagado, mas depois de descobrir sua identidade, percebi que qualquer estado de espírito era possível ao mascarado.
— Eu te conheço! Eu te conheço! — Veio até nossa mesa exclamando e apontando para mim
— Eu também te conheço, você é o Batman.
— Tu é o Trezinni, da garagem, eu sou o Oliveira, filho do Oliveira.
Fui atingido pelo olhar de reprovação reprovação, pois estávamos salvando o governo da Bolívia de um golpe urdido por Washington.
— Aaahhh! O Oliveira, filho do Oliveira. Logo te reconheci.
— Esse cara é meu amigo. — O Batman apontava para mim enquanto segurava o braço de Werner. — Nós aprontamos poucas e boas no exército, ele também era amigo do meu pai.
— É, eu era.
— Mas amigão, eu tenho que ir. Você viu minha foto no jornal? Fui eu quem paralisou a sessão da Câmara ontem, antes de ser levado pela polícia, mas eles não vão me impedir assim, eu tenho um plano.
E pelo brilho no olhar, perceptível por trás da máscara, era de se supor que ele tinha mesmo um plano grandioso. Ou tava chapado. Pobre alma, ingênuo sonhador, imaginando que sua fantasiosa intervenção pudesse promover qualquer mudança no cenário da cidade. No máximo conseguiu chamar a atenção de uma imprensa faminta por factóides, paralisar a sessão da Câmara por uns minutos e rivalizar em comicidade com o festival de palhaçadas promovidas por nossos políticos.
— Agora que eu sei que tu tens amigos importantes na Liga da Justiça, nossa tarefa de implantar uma sociedade alternativa pode ficar mais fácil. — Ironizou meu amigo.
Amigos na Liga da Justiça. Ele continuou por um bom quarto de horas a me troçar, insinuando que talvez eu também tivesse uma identidade secreta, o Super-Homem, ou quem sabe o Robin, talvez o Lanterna Verde.
Sobre meu sonhador amigo super herói não ouvi falar mais nada, a não ser que estava trabalhando em uma loja do centro, anunciando as promoções, sempre mascarado. Não sei se isto faz parte do plano ou se fez um acordo com seus inimigos. Enquanto isto eu e meu amigo soldado, verdadeiros revolucionários, continuamos debruçados sobre a mesa do fundo, em nosso QG provisório: estamos arquitetando um plano para re-estatizar a Vale do Rio Doce e explodir o Cristo Redentor.
Demais!!!!
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