Sunday, February 06, 2011

texto de Paulo Horn

MODELO PARA AMAR

Encontrei no sofá tudo aquilo que perdi em você.
Poemas estúpidos à noite,
rugindo pela tevê
o som que me afasta aos poucos,
tudo vai sumindo
entre goles de vodca com suco de manga

e o sol bem no alto de um domingo qualquer, comigo pensando em você descendo o seu prédio e eu do outro lado da rua, não sei se você me viu e se me viu não sei se não quis me olhar ou se pensou ser melhor não me olhar e falar com outras pessoas, sair pelos ladrilhos da calçada caminhando sem se virar para trás. Mas eu sentado aqui, no canto do bar percebi que fumar já não me ajudava e que no dia seguinte eu teria a certeza de que cigarros de menta não têm o mesmo gosto quando não vem da tua boca. Mesmo assim eu trago e bebo, bebo e penso e lembro; lembro que você estava aqui discutindo sobre tudo, sobre arte, sobre música, sobre deus e sobre eu e você e minha barba e seus óculos e sobre o tamanho dos teus peitos e a cor da minha lente de contato. Tudo já estava ali, neste mesmo lugar, no canto da mesa do bar com a cerveja e as páginas do jornal amareladas que eu não tinha vontade de ler, mas que por alguma razão pareciam sempre puxar meus olhos e estava bem grande ali escrito catástrofe e eu pensava sim, é isso mesmo, tudo vai desabando, encharcando e as paginas virando com o vento e sempre a catástrofe aparecendo, e eu pedi o cardápio para ver se outras palavras apareciam e encobriam a idéia fixa de você.
Decidi que deveria começar a mudar meus hábitos, ou então deveria contornar o tempo, o que fosse mais fácil. Vamos ver, se eu voltasse no tempo ao momento em que te vi entrando pela porta do bar e sentando no balcão ao lado dos bebuns habituais, eu deveria ter me embriagado ainda mais para não te perceber, ou talvez eu devesse ter sido direto, levantado e ido falar com você, deixado você perceber que na verdade eu estava bêbado e que quanto mais eu bebo mais confiante eu fico, mesmo que eu saiba que depois de uma rejeição sua eu ficaria muito triste e talvez eu nem voltasse para minha mesa e agora me lembrei que estavam todos lá, o velho, o novo, aqueles que são eu e os que eu não conheço, e o cardápio eu sei de cor, mas mesmo assim não consigo decidir se tomo uma cerveja ou peço um café. Já bate as seis e daqui a pouco chega o velho e o novo, os que são eu e os que eu não conheço e eu ainda não decidi o que tomar, se vou comer, se vou ficar, se quero fumar e se quero o sabor de menta dos teus beijos nos beijos de qualquer uma.

Percebi que era um modelo para amar quando estava bêbado.

Mas assim, ao cair da tarde eu já penso que deveria pegar um animalzinho para me fazer companhia nestas horas tristes, neste sofá caseiro. Sim é isso, vou buscar um gato que é um bicho triste, um gato velho de preferência que não goste de meninices, de correrias, de bolinhas de papéis nem de solas de sapato e que fique deitado ronronando enquanto eu tomo vodka com o suco que tiver na geladeira. Pois bem, me visto rápido e saio, penso, mas será que devo pegar mesmo um gato que é um bicho que muito se assemelha à mulher, que é esquivo e curvo e fino e forte e mentiroso e fruído e franco e que pode esfregar a cabeça na minha mão sem ao menos gostar de mim. Talvez seja melhor eu não pegar bicho nenhum e não compartilhar o meu sofá, nem minha solidão nem minha tristeza, nem muita embriaguez nem esperança. Mas sei que sou ingênuo, sou um modelo para amar e por isso sei que mesmo que não queira gato nenhum vou atrás de uma mulher para cuidar de mim, mesmo que no final ela apenas me afunde depois de breves momentos de beleza. Sim, talvez seja essa a sina de ser um modelo para amar, ficar dependurado em molduras, galerias, telas de computador, esmaltes de unha, camisetas de garotas, carteiras, tênis, livros, lábios, lustres, listras, passos, poças, postes, cruzes, cristos, cistos, sapos, sacos, simples, sacos, velas, bolos, bolsas, beijos, beijos, beijos.
Talvez este modelo para amar deva, seja... eu.

Eu vi um cone quando sai de casa. Vi também um pássaro, um carro, um ponto, uma nuvem, uma volta, uma coisa, um coiso, um caso, mas nada de um modelo para mim. Meu modelo percorria o infinito das coisas escondidas e bebidas. O velho me ligou dizendo que ia para o bar e que também iriam o novo e aqueles que eu não conheço e eu perguntei daqueles que são eu, mas ele não soube me responder, disse que não falava comigo e com eles desde sábado e eu disse que sábado foi ontem, mas não, sábado foi sábado e hoje o velho está mais velho, o novo não está mais novo e todos que eu não conheço eu conheço um pouco e aqueles que são eu mesmo sumidos continuam sendo eu. Sentei no meu canto, com o velho e outro velho, pedi minha cerveja e fiquei ali escutando as peripécias da vida de aposentado dos velhos e pensando nas peripécias da vida de velho dos jovens que também sou eu, sentados em bares, tomando cervejas, comendo bolinhos, fugindo do sol, olhando as nuvens, fumando cigarros, lendo romances, perdendo romances, lembrando romances, romanceando lembranças com o coração partido na ponta da vista. Na ponta do peito percebi que a vida dos velhos era quase como a vida daqueles que são eu e a minha, só que eles dispõe do tempo como arrogância, como pressuposto para soltar um eu já te avisei, eu sei por que já vivi, mesmo que seja apenas para garantir a última palavra, um ar de sobriedade que pode-se perceber ser uma mentira olhando fundo nos olhos dos velhos, por entre as rugas e vendo fundo, longe, mas intacto o coração partido de toda a juventude do mundo.
Um modelo para amar não deveria passar tanto tempo sozinho numa mesa de bar, numa cama, num sofá, numa praia, numa pedra, numa cama, numa cama, numa sorte, numa tarde, numa cinza, numa, numa, numa. Acendi um cigarro e para a felicidade do velho e do velho apaguei antes de chegar na metade, pois acho que meu corpo não agüenta mais, meu estômago se revira aos avessos e eu tomo um gole por cima pra tirar o gosto, mas nada dele sair, nada do cigarro contorcido no cinzeiro virar cinzas, do dia acinzentar e cair a chuva para refrescar e me fazer deitar no sofá de casa, assistindo tevê sem me importar com canal; com bananas amassadas e picadas e batidas no liquidificador com vodka, leite e suco de manga, com bebedeiras, brigas, braços, abraços, com falta, com fita, flauta, fórmulas para completar o modelo que sou eu. Mas eu não estou no sofá e sim no canto do bar, com o velho e o velho e o novo recém chegado, com aqueles que não conheço e sentindo falta daqueles que são eu. É bom lembrar ou explicar que aqueles que são eu também se mostram como modelos para amar, cada um ao seu modo, mas indiscerníveis como grupo. A ubiqüidade com que se dão os movimentos e pensamentos e anseios e desejos e fomentos até famintos cairmos pelos dias, pelas valas, pelos ventos, pelo tempo, pelos tapas, pelas taras define nossa condição de modelos para amar sem amor nos contentos, sem contento nos caminhos, sem caminho, sem carinho, sem calmante, sem corante, sem cor, como uma pintura descascada na casa do coração.
Pois bem! Cansado como estou decidi ficar no bar, pois mesmo em casa me manteria maquinando formas de auto-sabotagem que me conduziriam ao infinito de coisas escondidas e bebidas, de modelos para amar próximos que não aceitam que talvez eu seja o modelo para amar perfeito para combinar com ela e montar um par nas calçadas do acaso confuso; talvez eu deva, eu seja e você saiba e seja e deva dizer que não devemos ser modelos um do outro, e assim saímos tangenciando a própria tangente do destino, do acaso e dos casos que não casam, dos amores não amados e dos amados não amores. Gostaria agora de ter um pouco de menta nos meus lábios. Estraçalhado como um bom modelo para amar, insurgi-me contra todas as garotas belas que me rejeitam e, imponente em minha embriaguez, decidi que conquistaria a garota linda sentada do outro lado do bar, mandando-lhe um bilhete com um poema estúpido à noite. E como seu sorriso foi uma arma em minhas mãos, decidi que o flerte era meu campo de batalha e fiquei com toda a importância, com toda a vantagem do seu sorriso ao meu bilhete em mãos, apenas esperando que ela passasse em minha frente para poder dar a cartada, a grande cartada de um amor louco, burro e bêbado. E ela passou magnífica e eu corri; corri entre as paredes de pessoas atrás de você, corri na chuva até seu carro somente para ter minha armada destroçada pela sua rejeição, sincera e cortante; sincera e reinante. Terminei a noite sentado no sofá, pensando nos poemas que disse, nos cortes que tive, nas máscaras que usei, nas mudas que plantei, nas plantas que pisei correndo no encalço daquela moça, apenas para ficar tão pisoteado como pisoteei.
Suco de manga com vodca não dá um bom café da manhã, por isso eu misturo café com cachaça e vejo que trava tudo no alto da garganta, pior do que o cigarro de menta que não veio dos lábios dela.

Percebi sóbrio que sou um modelo pra amar melancólico. E por isso eu bebo e modelo o amor sem perceber que ele me modela mais e mais e mais.

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